Revista da Universidade Federal de Minas Gerais
Ano 1 - nº. 1 - 2002

Editorial

Entrevista
Reitora discute cotidiano da UFMG

Médicas
Os laços são estreitos com a comunidade

Biológicas
Os bichos são os grandes aliados

Ciências Sociais Aplicadas
Multidisciplinaridade é a marca delas

Ciências da Terra
Ligados no ambiente do planeta terra

Ciências Exatas
O lúdico pôs para correr a imagem de bicho-papão

Engenharias
Eles estão pintando o sete

Humanas
Programas privilegiam a cidadania

Artes
Um bálsamo para a vida

Fump
Acolhimento garante permanência

Hospital das Clínicas
Onde ensino e pesquisa combinam com assistência

Pólo do Jequitinhonha
Desenvolvimento sem abrir mão da regionalidade

Manuelzão
Rio das Velhas ganha novos ares

Cultura
Produção cultural para todos os gostos

Editora
Em sintonia com o mercado

UFMG Diversa
Expediente

Outras edições

Ciências Exatas

Cubo mágico

Ousadia de professores e laboratórios avançados aproximam população das ciências exatas feitas na UFMG

Eber Faioli

O bicho-de-sete-cabeças das ciências exatas já era. Foi engolido por novas metodologias que dominaram velhos temores e provaram que a física, a química, a astronomia, a estatística, a robótica, os supercomputadores e similares têm tudo a ver com o cotidiano dos mortais. No Instituto de Ciências Exatas (ICEx), os projetos acadêmicos revelam que conhecer o porquê do céu azul é tão instigante e curioso quanto entender o processo de captação de imagens que auxiliam no diagnóstico do câncer de pele, ou torcer por robôs que disputam um campeonato de futebol e podem, ainda, desmontar minas terrestres.

Com material reciclável e barato, o professor Eduardo de Campos Valadares deu o tom “mais do que divertido” da física estimulada nas salas de aula da UFMG. A formalidade foi abandonada em projeto que aposta num aprendizado lúdico, contextualizado e incentivador das pesquisas e experiências. Sob esse prisma, aprender por que o avião voa (com uma folha de papel colocada entre os lábios, que produzem a corrente do ar) ou o que vai por dentro da fibra ótica (observando um filete de água atraído por um balão de festa antes atritado no cabelo) não é nada complicado. O experimento é a chave do Laboratório de Divulgação Científica do Departamento de Física, que funciona como suporte pedagógico não só aos docentes da unidade mas também aos professores do ensino médio e fundamental de outras instituições.

Ainda como parte do projeto, o Museu de História Natural da UFMG abriga uma exposição interativa e permanente da Física Divertida, que incentiva o desenvolvimento de programas educacionais e cursos de divulgação científica para pessoas de diferentes áreas. Autor do livro Física mais que divertida (Editora UFMG), Valadares diz que a interferência da tecnologia na vida das pessoas é tão grande que se torna possível falar nas ciências exatas, traduzindo-as de maneira simplificada. “Temos que associar ciência e criatividade. Grandes descobertas no mundo se deram pela observação de coisas simples, do cotidiano”, ressalta.

A mesma preocupação tem o professor do departamento de Química Alfredo Luis Mateus, que leciona no Colégio Técnico (Coltec). “Já percebi que os estudantes, quando estimulados, vão além de nós mesmos”, diz o autor de Química na cabeça (Editora UFMG). Seguindo passos semelhantes aos da Física Divertida, Mateus montou exposição no Museu de História Natural e coordena um grupo de teatro, com alunos da graduação, que exibe em colégios de Belo Horizonte a peça Romeu e Julieta, uma paixão científica. Nessa viagem ficcional, as famílias dos “Montefísicos e Capoquímicos” descobrem que, apesar de utilizarem linguagens diferentes, todos fazem parte do mesmo mundo.

“São formas que utilizamos para despertar a curiosidade para uma ciência que, às vezes, se mostra inacessível”, afirma Mateus. Dublê de ator e estudante do sétimo período de Química, Marcos Giovanni Moreira atesta que o teatro é uma experiência ímpar no curso. “Aprendemos a produzir os experimentos que aparecem na peça, a entender o que eles dizem e, ainda, a convencer os espectadores de que ali está a ciência”, afirma.

Robótica

Osvaldo Afonso
Robôs criados na UFMG jogam pelada, aumentam a produtividade da indústria e até salvam vidas

Desmitificada, a ciência transpõe barreiras da imaginação, aguça a criatividade e revela-se altamente promissora. Não é à toa que o Laboratório de Visão Computacional e Robótica do departamento de Ciência da Computação dedica-se a projetos com aplicações práticas no mundo científico e também empresarial. A Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) utiliza um protótipo de robô que instala esferas sinalizadoras nas redes de transmissão. Desenvolvido na UFMG, o robô evita acidentes. Minirrobôs podem se transformar também em hábeis jogadores de futebol, como o time projetado pela equipe do professor Mário Montenegro Campos, coordenador e fundador do Laboratório. Este time já disputou diferentes campeonatos, em especial durante a Copa do Mundo, na França, em l998. Os minirrobôs provam que são capazes de trabalhar em atividades remotas em sistema de cooperação.

Pesquisas de mestrado e doutorado em Ciência da Computação demonstram que não existiriam, do ponto de vista tecnológico, empecilhos para a construção de robôs que cumprissem tarefas complexas, como inspeção em prédios de risco ou localização e desativação de minas. Numa outra vertente, o curso desenvolve pesquisas na área da “visão computacional”, ou seja, captação e leitura de imagens por computadores para aplicações diversas. Imagine um computador capaz de olhar para uma pessoa e identificá-la. Imagine, ainda, um sistema de rastreamento que conte de imediato pessoas em lugares abertos ou fechados. Agora, imagine computadores como esses em serviços de segurança.

Pense, ainda, em outro computador dotado de um sistema de análise automática dos riscos de doenças de pele em uma pessoa qualquer. Quanto um computador como este poderia auxiliar em diagnósticos médicos? “O ganho não seria pequeno”, garante o professor Rodrigo Lima Carceroni. Computadores ou supercomputadores são também matéria-prima do Centro Nacional de Processamento de Alto Desempenho de Minas Gerais e da Região Centro-Oeste (o Cenapad), criado na UFMG, há cinco anos, para auxiliar pesquisadores, empresas e órgãos governamentais que necessitem do processamento sofisticado de dados.

Aproximando áreas distintas do conhecimento, o Cenapad atualmente desenvolve um projeto de bioinformática, que ajudará a desvendar os códigos genéticos do Schistossoma mansoni, verme causador da esquistossomose. O projeto, da Rede de Genomas de Minas Gerais, ligada ao Instituto de Ciências Biológicas (ICB), necessita de computadores de alto desempenho para a interpretação dos dados de mais de 100 mil genes que terão o DNA seqüenciado.

O trabalho conta com participação de outras entidades e laboratórios universitários do Estado e tem duração prevista de dois anos, porém pode terminar muito antes, de acordo com o professor José Miguel Ortega, do Departamento de Bioquímica e Imunologia do ICB. Segundo ele, após tão detalhado seqüenciamento genético do Schistossoma mansoni, pesquisadores terão não só a possibilidade de produção de drogas, mas, e mais importante, uma nova fonte de comparação entre genes, inclusive humanos. “O seqüenciamento não gera conhecimento apenas sobre o organismo que está sendo estudado, mas muito além dele”, observa Ortega.

Tão longe, tão perto

Importante centro de pesquisa, o Observatório Astronômico da UFMG desvenda o firmamento para milhares de pessoas anualmente

Eber Faioli

No alto da Serra da Piedade, a 50 quilômetros do Centro de Belo Horizonte, o céu é desvendado. É ali, no Observatório Astronômico da UFMG, que gente de todas as idades sente bem de perto o conhecimento e a magia que envolvem a astronomia, uma ciência secular, com o poder de aguçar a curiosidade não só sobre o funcionamento do sistema solar mas também sobre o próprio eu de cada um. “Sob as estrelas, não há quem não pergunte quem sou eu”, diz o coordenador do Observatório e professor Renato Las Casas.

Em novembro, o Observatório Astronômico estará completando 30 anos. Na época da construção, ele foi projetado para ser o maior e mais moderno do País, liderança só batida na década de 80, quando foi erguido o Laboratório Nacional de Astrofísica, na cidade de Brasópolis, Sul de Minas. Mas, ainda hoje, o Observatório Astronômico da UFMG ocupa o segundo lugar em importância entre todos os existentes no Brasil, servindo como laboratório privilegiado para pesquisas e ponto de divulgação científica e de lazer.

Em média, 20 mil pessoas sobem anualmente a Serra da Piedade para observar o firmamento. Durante três dias da semana, visitas agendadas especialmente por escolas são acompanhadas por professores e por monitores. Aos sábados, é a vez de curiosos de todos os tipos conhecerem o céu de pertinho, mirando lentes poderosas de dois telescópios profissionais fixos e outros nove amadores de qualidade. “A astronomia está ligada praticamente a todas as áreas do conhecimento humano”, destaca Las Casas, envolvido também na construção do primeiro planetário de Minas Gerais, que começará a ser construído ainda este ano.

O planetário ganhou terreno de 16 mil metros quadrados da UFMG, campus Pampulha, e tem assegurado R$ 3 milhões dos R$ 15 milhões necessários à sua construção – recursos adquiridos da Prefeitura de Belo Horizonte e da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg). O restante do dinheiro será captado a partir de emendas ao orçamento federal e de parcerias com a iniciativa privada. “Será muito mais que um planetário. Será um projeto de ensino de astronomia e de ciências afins”, afirma Las Casas. “O céu artificial que estará projetado no planetário terá tamanha precisão que astrônomos muito experientes não poderão encontrar defeitos”, assinala o professor.

Combina até com posto de gasolina

Laboratório do departamento de Química avalia qualidade do combustível vendido em 550 municípios mineiros

Quando o departamento de Química fez o primeiro contato, há dois anos, com a Agência Nacional de Petróleo (ANP), órgão do Ministério das Minas e Energia, não podia imaginar o quanto a parceria cresceria e se tornaria um enorme elo com consumidores que, dia a dia, enchem os tanques de gasolina de seus carros. No Laboratório de Ensaios de Combustível (LEC), instalado na UFMG, uma equipe de pesquisadores é responsável pelo monitoramento da qualidade da gasolina distribuída pelos postos instalados em 550 municípios do Estado.

Osvaldo Afonso

Montado com os mais modernos equipamentos do mundo para esse tipo de análise, o LEC é fruto da ousadia de professores que apostaram na competência da Instituição. A coordenadora do Núcleo de Extensão, Vanya Pasa, conta que, para estruturar o Laboratório e atender a um pedido de convênio com a ANP, foi preciso fazer um empréstimo de R$ 200 mil junto à Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa (Fundep). “Valeu a pena. Já pagamos o empréstimo há muito tempo”, diz ela. O convênio com a ANP rende, anualmente, cerca de R$ 1 milhão, dinheiro reinvestido no LEC, prestes a ter nova sede, e em outras áreas do departamento de Química.

As amostras para análise são colhidas por uma equipe que viaja centenas de quilômetros, abrangendo dez regiões traçadas pelo Laboratório para a execução do trabalho. Os resultados são repassados imediatamente para a ANP. Quando a gasolina apresenta problemas, o fiscal da Agência é enviado ao posto, e uma nova amostra é analisada. “Com o monitoramento da gasolina, a ANP ampliou seu poder de fiscalização”, ressalta a professora e engenheira química. Segundo ela, cerca de quatro mil análises são realizadas, e o órgão governamental passou a conhecer melhor a qualidade do combustível brasileiro. O LEC também faz análises a pedido do Procon e do Ministério Público.

Além de ganhar um laboratório tecnologicamente avançado, o departamento de Química pôde explorar uma área de conhecimento até então sem estrutura na UFMG. “Temos todas as condições de trabalhar com petróleo, o que não acontecia antes. Agora podemos formar alunos com visão na área, e isso é muito importante”, destaca Vanya Pasa. Com o setor de pesquisa estimulado, a equipe conquistou R$ 1,5 milhão, do Fundo de Petróleo, para a criação de um laboratório, onde serão desenvolvidas novas metodologias para análise de derivados do petróleo e definidos parâmetros que interferem na qualidade do combustível. Seis dissertações de mestrado na área são fruto desse projeto.