Revista da Universidade Federal de Minas Gerais
Ano 1 - nº. 1 - 2002

Editorial

Entrevista
Reitora discute cotidiano da UFMG

Médicas
Os laços são estreitos com a comunidade

Biológicas
Os bichos são os grandes aliados

Ciências Sociais Aplicadas
Multidisciplinaridade é a marca delas

Ciências da Terra
Ligados no ambiente do planeta terra

Ciências Exatas
O lúdico pôs para correr a imagem de bicho-papão

Engenharias
Eles estão pintando o sete

Humanas
Programas privilegiam a cidadania

Artes
Um bálsamo para a vida

Fump
Acolhimento garante permanência

Hospital das Clínicas
Onde ensino e pesquisa combinam com assistência

Pólo do Jequitinhonha
Desenvolvimento sem abrir mão da regionalidade

Manuelzão
Rio das Velhas ganha novos ares

Cultura
Produção cultural para todos os gostos

Editora
Em sintonia com o mercado

UFMG Diversa
Expediente

Outras edições

Engenharias

Nas pistas e nos céus

Automóveis e aviões desenvolvidos na UFMG são fonte de aprimoramento técnico-científico

Gegê

Em volta de um pequeno carro, de formas nada convencionais, estão dezenas de alunos com ferramentas nas mãos. A brincadeira entre eles parece a tônica da reunião, mas é desmascarada pela atenção dada ao grosso livro que revela, passo a passo, a criação do Tatu, um veículo concebido e fabricado no curso de Mecânica, da Escola de Engenharia. O Tatu é companheiro do Jeca, do Jacu e do Spider. São todos carros “mini baja”, desenvolvidos para uma competição na modalidade de mesmo nome, criada para estimular estudantes de todo o País, e fora dele, a participar de uma corrida que começa bem antes do dia das provas. Inicia-se no banco das salas de aula e nas oficinas das escolas.

A competição de “mini baja” foi inaugurada, na década de 70, pela norte-americana Society of Automotive Engineers, já com o objetivo de preparar e conquistar estudantes no processo de desenvolvimento da indústria automobilística. No Brasil, a competição no mesmo estilo chegou em l996 e, desde então, é realizada anualmente no Autódromo de Interlagos, em São Paulo. Tatu competiu em abril deste ano e voltará à pista em 2003, ao lado do novo projeto que já mobiliza estudantes do primeiro ao décimo períodos, o do Piau. Os ganhadores da corrida no Brasil são selecionados para a competição nos Estados Unidos, em Ohio.

Em 1998, o Jeca, classificado em segundo lugar em Interlagos, foi conhecer a pista norte-americana. Ficou em vigésimo terceiro lugar, uma posição que não desanimou a equipe mineira, pois, em algumas provas, como na avaliação de projetos, o segundo lugar foi garantido. “É um projeto muito procurado pelos alunos. Eles aprendem teorias sofisticadas, com o uso de complicados programas de computador, e também o trabalho em grupo”, diz o coordenador, professor Ramón Molina Valle, um entusiasta da proposta. Juntos, professores e alunos aprendem, aprimoram técnicas e se divertem ao ver as peripécias do “mini baja” em ação.

“A nossa relação com o carro é emocional. Ele significa tanto quanto a primeira bola de futebol”, compara Aender Lúcio Ferreira, de 26 anos, estudante do sexto período de Engenharia Mecânica. “Quando você vê o carro andando pela primeira vez, é uma emoção incrível”, completa. Para Aender, a competição de “mini baja” forja um engenheiro e faz com que ele seja polivalente, porque o aluno palpita em todo o projeto, não lhe escapa nada. “Nós sabemos o tamanho da responsabilidade que temos em mãos. É um companheiro nosso que estará dentro do carro, correndo durante quatro horas”, justifica.

Em todas as competições, a equipe que trabalhou no carro está presente. Os dias em Interlagos significam mais aprendizado, porque lá estão equipes de todo o País e, por mais que os segredos façam parte da corrida, a troca de informações é muito grande. “Estamos lado a lado, vendo de perto o trabalho de outros e aprendendo também como melhorar o nosso projeto”, assinala Rafael Ferreira Leite, do oitavo período de Engenharia Mecânica. O estudante reconhece o “mini baja” como uma grande oportunidade de qualificação. “A construção do ‘mini baja’ cria perspectivas de emprego para muitos estudantes. Tenho colegas que se formaram e estão na Mercedes Benz, na Fiat e em outras montadoras”, destaca.

Tanto quanto o “mini baja”, outra paixão move estudantes de Mecânica. É o Centro de Estudos Aeronáuticos (CEA), de onde sai grande parte dos engenheiros que serão contratados pela Embraer. “No CEA, você aprende a projetar, a construir e a pilotar um avião, e isso faz muita diferença”, avalia o aluno do doutorado Paulo Iscold, lembrando que, só na Alemanha, as escolas oferecem essas mesmas chances alinhavadas. Ele garante que nem mesmo nos Estados Unidos, onde a indústria aeronáutica é a mais forte no mundo, o processo do Centro se repete. “O importante é que o aluno tem o conhecimento geral, teórico e prático, e, ainda, o senso de responsabilidade desenvolvidos”, avalia.

Osvaldo Afonso
No centro de estudos aeronáuticos, alunos e professores produzem todas as peças e estruturas de aviões de pequeno porte que nascem ali

Apesar de os alunos de Engenharia optarem pela especialidade de aeronáutica apenas no sexto período, a oportunidade de trabalhar no CEA é estendida a todos desde o primeiro período. No laboratório, com exceção do motor, são produzidas todas as peças e a estrutura dos aviões de pequeno porte que nascem ali. No hangar do aeroporto de Divinópolis (na região Centro-Oeste do Estado), estão dois dos aviões fabricados: um ultraleve e um motoplanador. Há quatro meses, a turma está envolvida com a fabricação do CEA 308, o avião que concorrerá ao recorde mundial de velocidade na categoria a hélice, com peso máximo de decolagem até 300 quilos. O recorde atual é austríaco. Os alunos irão começar, também, a reforma de um planador de 40 anos de idade, o primeiro construído na UFMG.

Não ficam por aí as experiências desenvolvidas pela Engenharia. No Laboratório de Alternativa Energética (LAE), o professor Márcio Fonte Boa Cortez comanda os estudos na área de energias renováveis, em especial a solar. A linha de trabalho privilegia o conhecimento sobre aquecimento de água, refrigeração solar e, numa tentativa inédita no País, a secagem solar para grãos por chaminé. Estudos teóricos e práticos dão forma à chaminé – uma torre de 11 metros que serve de escoamento de ar quente – construída no campus e que testará a viabilidade de um projeto de baixo custo para a agricultura.

A chaminé é uma alternativa criada pelos alemães, no final da década de 70, para geração de eletricidade. O que professores e futuros engenheiros mineiros querem é adaptar o mesmo princípio à secagem de grãos, com modelos de pequeno porte. A aplicação deverá contemplar também a climatização de ambientes. “O protótipo está quase pronto”, conta Fonte Boa Cortez.

De grão em grão

Engenharia Civil alia aulas a projetos sociais para ensinar alunos e operários a trabalhar com economia

Osvaldo Afonso

Quando a construção civil nacional ficou sabendo, há três anos, que ela jogava, no lixo dos canteiros de obras, em torno de 20% do material empregado por metro quadrado, foi um rebuliço. Não era para menos. Afinal, nas contas das empresas, as perdas significavam, naquele momento, de 3% a 8% do custo da obra. A constatação, na ponta do lápis, do que muitos já imaginavam numa simples observação das caçambas só foi possível quando 11 universidades brasileiras, entre elas a UFMG, e outras instituições públicas e privadas se juntaram para traçar o perfil do desperdício, num projeto intitulado Alternativas para a Redução do Desperdício de Materiais nos Canteiros de Obras.

A pesquisa foi feita em 69 obras distribuídas pelo País e, por isso, teve um caráter nacional – foram 78% de obras residenciais, 8% de comerciais, 9% de uso misto e 5% de escolas. Detalhando os processos nos canteiros de obras, pesquisadores calcularam em cerca de 20% as perdas físicas por metro quadrado, sendo em torno de 7% em forma de entulho e outros 14% incorporados na construção. “Hoje, toda construção civil corre atrás da qualidade, porque sabe que a sobrevivência da empresa está associada ao custo do imóvel”, diz o professor Antônio Júnior, chefe do departamento de Engenharia de Materiais e Construção e coordenador da pesquisa em Minas Gerais.

Segundo ele, a pesquisa mostrou para os construtores que era possível, com medidas muitas vezes simples, acabar com prejuízos que sequer eram percebidos ao longo da construção. Durante a apuração dos dados, lembra Antônio Júnior, os responsáveis já recebiam dicas do que estava descendo pelos ralos, e as mudanças de procedimentos aconteciam ali mesmo, na hora. O trabalho apontou uma série de sugestões para a melhoria do quadro, como investimentos no detalhamento dos projetos e na qualificação da mão-de-obra, algo que, aliás, a Engenharia da UFMG vem fazendo há mais de 40 anos.

O Curso Intensivo de Preparação de Mão-de-Obra Industrial (Cipmoi) foi fundado por estudantes em 1957 e, desde então, formou milhares de mestres-de-obras. É um dos mais antigos cursos de extensão da Universidade. Coordenador do Cipmoi em diferentes períodos nas décadas de 80 e 90, o professor José Osvaldo Saldanha Paulino, do departamento de Engenharia Elétrica, foi também um dos instrutores do curso, no qual os alunos da Engenharia e de outras Unidades são os professores.

“Para o operário, freqüentar a UFMG é motivo de muito orgulho. Eles têm um respeito pela Universidade que muitos alunos não têm”, diz o professor, lembrando que, muitas vezes, depois das aulas, viu seus alunos operários catarem do chão as guimbas de cigarro jogadas por outros estudantes. O Cipmoi é referência na construção civil e tem a intenção de qualificar o operário de uma forma integrada aos problemas da sua profissão e da sociedade. Segundo o professor Flávio Hara, atual coordenador, são 25 instrutores, dos cursos de Engenharia Elétrica e Civil, de Pedagogia, de Comunicação, de Psicologia e de Arquitetura. Eles dão aulas à noite para cinco turmas de 45 alunos.

A preocupação com o desempenho da construção civil passa também pela tecnologia dos materiais. Mais do que atenta a isso, a professora Carmem Couto Ribeiro destaca a importância da pesquisa nos cursos de Engenharia e diz que o profissional bem preparado é aquele que entende do processo de forma crítica, podendo e sabendo atuar nele. “Numa obra, materiais não são fins, são meios. Se o aluno souber com o que está lidando, não irá apenas acatar ordens”, diz ela, autora de uma pesquisa para utilização de escórias de alto-forno de indústria siderúrgica, largamente produzidas em Minas Gerais, em agregado de concreto e posolana. Somente a pesquisa, atesta a professora, amplia canais de utilização de novos materiais na construção civil, numa área que está sempre envolvida com problemas de custo.

Raios

Você sabia...

Que, na Europa, a densidade de descargas elétricas é de dois raios por quilômetro quadrado?

Que, em Belo Horizonte, essa estatística sobe para sete raios por quilômetro quadrado?

Que o valor da corrente do raio aceito internacionalmente é de 30 mil ampères e que em Minas Gerais, esse valor chega, em média, a 40 mil ampères?

Que, por causa da intensidade de raios que caem no Estado, as companhias energéticas e os consumidores precisam de sistemas de proteção de equipamentos eletroeletrônicos e de redes de transmissão de energia muito mais sofisticados?

Que a UFMG tem, no departamento de Engenharia Elétrica, um dos mais bem equipados centros de estudos sobre os raios?

Que o Núcleo de Desenvolvimento Científico e Tecnológico em Descargas Atmosféricas, ou Lightning Research Center (LRC), dirigido pelo professor Silvério Visacro, tem sido responsável por pesquisas e por projetos encomendados pelas principais empresas de energia elétrica do País?

Que os pesquisadores do LRC têm à disposição, para os estudos do fenômeno físico da descarga elétrica até o desenvolvimento de produtos de alta tecnologia, seis laboratórios especializados?

Que a Estação Morro do Cachimbo, da Cemig (empresa parceira), está ligada ao LRC e é a única da América Latina e uma das três únicas do mundo que possui equipamentos capazes de gravar a corrente do raio a 1.400 metros de altitude?

Que a filosofia do LRC privilegia o desenvolvimento científico e tecnológico em interação com o mercado e, por isso, desenvolve projetos e produtos com independência financeira da Universidade?

Que, no ano passado, com menos de um ano de criação oficial, o LRC foi responsável por seis teses de mestrado e doutorado defendidas no departamento de Energia Elétrica?

Que a Engenharia Elétrica participa, também, de projeto de pesquisa, dirigido pelo professor José Osvaldo Saldanha Paulino, envolvendo o Brasil – UFMG, Unicamp e Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – e a França?

Que esse projeto estuda as tensões dentro de um prédio após uma descarga elétrica induzida?

Que, para medir essas tensões e seus efeitos, a tecnologia francesa utilizada é de lançamento de pequenos foguetes em direção à nuvem carregada?

Que esses pequenos foguetes provocam o raio e, assim, os pesquisadores sabem onde ele vai cair e dominam o controle de medição da sua intensidade?

Que o resultado dessas medições proporcionará o surgimento de tecnologias de pára-raios e de proteção de equipamentos eletroeletrônicos?

Que esses equipamentos precisam muito mais de proteção, pois têm sido fabricados cada vez mais em tamanhos menores e, portanto, são mais sensíveis?

E que essa pesquisa, que já tem uma série de dados internacionais e nacionais sendo computados, vai auxiliar nos estudos de “tropicalização” dos equipamentos, ou seja, na fabricação de equipamentos feitos sob medida para os países onde a freqüência das descargas atmosféricas é muito maior?

Parque Tecnológico

Encontro marcado

A evolução do conhecimento e do processo produtivo, marcada, nos dias de hoje, pela velocidade do desenvolvimento de ambos num contexto de globalização, exige das universidades brasileiras uma nova prática. É necessário adequar o saber ao mercado, sem desprezar a natureza básica da instituição, pública e social. Esses são princípios que nortearão um dos mais importantes projetos da UFMG, o da criação do Parque Tecnológico de Belo Horizonte. O projeto, que atende a junção dos interesses da Universidade e dos setores público e empresarial, já tem garantido R$ 1,5 milhão da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), provenientes do fundo Verde-Amarelo.

A construção de tal modelo reunirá esforços de representantes da UFMG, da Prefeitura, do Estado e de entidades empresariais, como a Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg), e do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). O Parque absorverá indústrias de ponta em setores como biotecnologia, biomédica, tecnologias da informação e comunicação, novos materiais e, como diz o projeto, “novas frentes que a pesquisa científica e tecnológica venha a abrir, aproveitando janelas de oportunidades”.

Inicialmente, o Parque será instalado em terreno da UFMG, próximo ao campus Pampulha, mas o coordenador de Transferência e Inovação Tecnológica e membro da comissão que elaborará o modelo do Parque, professor Alfredo Gontijo de Oliveira, avisa que não será um Parque da Instituição e, sim, de toda a região metropolitana da Capital mineira. Na área, estarão não apenas o setor de produção, mas empresas que sirvam todo um sistema, como laboratórios de pesquisa; empresas prestadoras de serviços tecnológicos, como um centro de patentes ou, ainda, de assessoria financeira de projetos; empresas de apoio à infra-estrutura, como rede de hotelaria e centro de convenção; museu tecnológico e parque ambiental.