Engenharias
Nas pistas e nos céus
Gegê |
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Em volta de um pequeno carro, de formas nada convencionais, estão dezenas de alunos com ferramentas nas mãos. A brincadeira entre eles parece a tônica da reunião, mas é desmascarada pela atenção dada ao grosso livro que revela, passo a passo, a criação do Tatu, um veículo concebido e fabricado no curso de Mecânica, da Escola de Engenharia. O Tatu é companheiro do Jeca, do Jacu e do Spider. São todos carros “mini baja”, desenvolvidos para uma competição na modalidade de mesmo nome, criada para estimular estudantes de todo o País, e fora dele, a participar de uma corrida que começa bem antes do dia das provas. Inicia-se no banco das salas de aula e nas oficinas das escolas.
A competição de “mini baja” foi inaugurada, na década de 70, pela norte-americana Society of Automotive Engineers, já com o objetivo de preparar e conquistar estudantes no processo de desenvolvimento da indústria automobilística. No Brasil, a competição no mesmo estilo chegou em l996 e, desde então, é realizada anualmente no Autódromo de Interlagos, em São Paulo. Tatu competiu em abril deste ano e voltará à pista em 2003, ao lado do novo projeto que já mobiliza estudantes do primeiro ao décimo períodos, o do Piau. Os ganhadores da corrida no Brasil são selecionados para a competição nos Estados Unidos, em Ohio.
Em 1998, o Jeca, classificado em segundo lugar em Interlagos, foi conhecer a pista norte-americana. Ficou em vigésimo terceiro lugar, uma posição que não desanimou a equipe mineira, pois, em algumas provas, como na avaliação de projetos, o segundo lugar foi garantido. “É um projeto muito procurado pelos alunos. Eles aprendem teorias sofisticadas, com o uso de complicados programas de computador, e também o trabalho em grupo”, diz o coordenador, professor Ramón Molina Valle, um entusiasta da proposta. Juntos, professores e alunos aprendem, aprimoram técnicas e se divertem ao ver as peripécias do “mini baja” em ação.
“A nossa relação com o carro é emocional. Ele significa tanto quanto a primeira bola de futebol”, compara Aender Lúcio Ferreira, de 26 anos, estudante do sexto período de Engenharia Mecânica. “Quando você vê o carro andando pela primeira vez, é uma emoção incrível”, completa. Para Aender, a competição de “mini baja” forja um engenheiro e faz com que ele seja polivalente, porque o aluno palpita em todo o projeto, não lhe escapa nada. “Nós sabemos o tamanho da responsabilidade que temos em mãos. É um companheiro nosso que estará dentro do carro, correndo durante quatro horas”, justifica.
Em todas as competições, a equipe que trabalhou no carro está presente. Os dias em Interlagos significam mais aprendizado, porque lá estão equipes de todo o País e, por mais que os segredos façam parte da corrida, a troca de informações é muito grande. “Estamos lado a lado, vendo de perto o trabalho de outros e aprendendo também como melhorar o nosso projeto”, assinala Rafael Ferreira Leite, do oitavo período de Engenharia Mecânica. O estudante reconhece o “mini baja” como uma grande oportunidade de qualificação. “A construção do ‘mini baja’ cria perspectivas de emprego para muitos estudantes. Tenho colegas que se formaram e estão na Mercedes Benz, na Fiat e em outras montadoras”, destaca.
Tanto quanto o “mini baja”, outra paixão move estudantes de Mecânica. É o Centro de Estudos Aeronáuticos (CEA), de onde sai grande parte dos engenheiros que serão contratados pela Embraer. “No CEA, você aprende a projetar, a construir e a pilotar um avião, e isso faz muita diferença”, avalia o aluno do doutorado Paulo Iscold, lembrando que, só na Alemanha, as escolas oferecem essas mesmas chances alinhavadas. Ele garante que nem mesmo nos Estados Unidos, onde a indústria aeronáutica é a mais forte no mundo, o processo do Centro se repete. “O importante é que o aluno tem o conhecimento geral, teórico e prático, e, ainda, o senso de responsabilidade desenvolvidos”, avalia.
Osvaldo Afonso |
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No centro de estudos aeronáuticos, alunos e professores produzem todas as peças e estruturas de aviões de pequeno porte que nascem ali |
Apesar de os alunos de Engenharia optarem pela especialidade de aeronáutica apenas no sexto período, a oportunidade de trabalhar no CEA é estendida a todos desde o primeiro período. No laboratório, com exceção do motor, são produzidas todas as peças e a estrutura dos aviões de pequeno porte que nascem ali. No hangar do aeroporto de Divinópolis (na região Centro-Oeste do Estado), estão dois dos aviões fabricados: um ultraleve e um motoplanador. Há quatro meses, a turma está envolvida com a fabricação do CEA 308, o avião que concorrerá ao recorde mundial de velocidade na categoria a hélice, com peso máximo de decolagem até 300 quilos. O recorde atual é austríaco. Os alunos irão começar, também, a reforma de um planador de 40 anos de idade, o primeiro construído na UFMG.
Não ficam por aí as experiências desenvolvidas pela Engenharia. No Laboratório de Alternativa Energética (LAE), o professor Márcio Fonte Boa Cortez comanda os estudos na área de energias renováveis, em especial a solar. A linha de trabalho privilegia o conhecimento sobre aquecimento de água, refrigeração solar e, numa tentativa inédita no País, a secagem solar para grãos por chaminé. Estudos teóricos e práticos dão forma à chaminé – uma torre de 11 metros que serve de escoamento de ar quente – construída no campus e que testará a viabilidade de um projeto de baixo custo para a agricultura.
A chaminé é uma alternativa criada pelos alemães, no final da década de 70, para geração de eletricidade. O que professores e futuros engenheiros mineiros querem é adaptar o mesmo princípio à secagem de grãos, com modelos de pequeno porte. A aplicação deverá contemplar também a climatização de ambientes. “O protótipo está quase pronto”, conta Fonte Boa Cortez.
De grão em grão
Osvaldo Afonso |
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Quando a construção civil nacional ficou sabendo, há três anos, que ela jogava, no lixo dos canteiros de obras, em torno de 20% do material empregado por metro quadrado, foi um rebuliço. Não era para menos. Afinal, nas contas das empresas, as perdas significavam, naquele momento, de 3% a 8% do custo da obra. A constatação, na ponta do lápis, do que muitos já imaginavam numa simples observação das caçambas só foi possível quando 11 universidades brasileiras, entre elas a UFMG, e outras instituições públicas e privadas se juntaram para traçar o perfil do desperdício, num projeto intitulado Alternativas para a Redução do Desperdício de Materiais nos Canteiros de Obras.
A pesquisa foi feita em 69 obras distribuídas pelo País e, por isso, teve um caráter nacional – foram 78% de obras residenciais, 8% de comerciais, 9% de uso misto e 5% de escolas. Detalhando os processos nos canteiros de obras, pesquisadores calcularam em cerca de 20% as perdas físicas por metro quadrado, sendo em torno de 7% em forma de entulho e outros 14% incorporados na construção. “Hoje, toda construção civil corre atrás da qualidade, porque sabe que a sobrevivência da empresa está associada ao custo do imóvel”, diz o professor Antônio Júnior, chefe do departamento de Engenharia de Materiais e Construção e coordenador da pesquisa em Minas Gerais.
Segundo ele, a pesquisa mostrou para os construtores que era possível, com medidas muitas vezes simples, acabar com prejuízos que sequer eram percebidos ao longo da construção. Durante a apuração dos dados, lembra Antônio Júnior, os responsáveis já recebiam dicas do que estava descendo pelos ralos, e as mudanças de procedimentos aconteciam ali mesmo, na hora. O trabalho apontou uma série de sugestões para a melhoria do quadro, como investimentos no detalhamento dos projetos e na qualificação da mão-de-obra, algo que, aliás, a Engenharia da UFMG vem fazendo há mais de 40 anos.
O Curso Intensivo de Preparação de Mão-de-Obra Industrial (Cipmoi) foi fundado por estudantes em 1957 e, desde então, formou milhares de mestres-de-obras. É um dos mais antigos cursos de extensão da Universidade. Coordenador do Cipmoi em diferentes períodos nas décadas de 80 e 90, o professor José Osvaldo Saldanha Paulino, do departamento de Engenharia Elétrica, foi também um dos instrutores do curso, no qual os alunos da Engenharia e de outras Unidades são os professores.
“Para o operário, freqüentar a UFMG é motivo de muito orgulho. Eles têm um respeito pela Universidade que muitos alunos não têm”, diz o professor, lembrando que, muitas vezes, depois das aulas, viu seus alunos operários catarem do chão as guimbas de cigarro jogadas por outros estudantes. O Cipmoi é referência na construção civil e tem a intenção de qualificar o operário de uma forma integrada aos problemas da sua profissão e da sociedade. Segundo o professor Flávio Hara, atual coordenador, são 25 instrutores, dos cursos de Engenharia Elétrica e Civil, de Pedagogia, de Comunicação, de Psicologia e de Arquitetura. Eles dão aulas à noite para cinco turmas de 45 alunos.
A preocupação com o desempenho da construção civil passa também pela tecnologia dos materiais. Mais do que atenta a isso, a professora Carmem Couto Ribeiro destaca a importância da pesquisa nos cursos de Engenharia e diz que o profissional bem preparado é aquele que entende do processo de forma crítica, podendo e sabendo atuar nele. “Numa obra, materiais não são fins, são meios. Se o aluno souber com o que está lidando, não irá apenas acatar ordens”, diz ela, autora de uma pesquisa para utilização de escórias de alto-forno de indústria siderúrgica, largamente produzidas em Minas Gerais, em agregado de concreto e posolana. Somente a pesquisa, atesta a professora, amplia canais de utilização de novos materiais na construção civil, numa área que está sempre envolvida com problemas de custo.
Raios Você sabia...Que, na Europa, a densidade de descargas elétricas é de dois raios por quilômetro quadrado? Que, em Belo Horizonte, essa estatística sobe para sete raios por quilômetro quadrado? Que o valor da corrente do raio aceito internacionalmente é de 30 mil ampères e que em Minas Gerais, esse valor chega, em média, a 40 mil ampères? Que, por causa da intensidade de raios que caem no Estado, as companhias energéticas e os consumidores precisam de sistemas de proteção de equipamentos eletroeletrônicos e de redes de transmissão de energia muito mais sofisticados? Que a UFMG tem, no departamento de Engenharia Elétrica, um dos mais bem equipados centros de estudos sobre os raios? Que o Núcleo de Desenvolvimento Científico e Tecnológico em Descargas Atmosféricas, ou Lightning Research Center (LRC), dirigido pelo professor Silvério Visacro, tem sido responsável por pesquisas e por projetos encomendados pelas principais empresas de energia elétrica do País? Que os pesquisadores do LRC têm à disposição, para os estudos do fenômeno físico da descarga elétrica até o desenvolvimento de produtos de alta tecnologia, seis laboratórios especializados? Que a Estação Morro do Cachimbo, da Cemig (empresa parceira), está ligada ao LRC e é a única da América Latina e uma das três únicas do mundo que possui equipamentos capazes de gravar a corrente do raio a 1.400 metros de altitude? Que a filosofia do LRC privilegia o desenvolvimento científico e tecnológico em interação com o mercado e, por isso, desenvolve projetos e produtos com independência financeira da Universidade? Que, no ano passado, com menos de um ano de criação oficial, o LRC foi responsável por seis teses de mestrado e doutorado defendidas no departamento de Energia Elétrica? Que a Engenharia Elétrica participa, também, de projeto de pesquisa, dirigido pelo professor José Osvaldo Saldanha Paulino, envolvendo o Brasil – UFMG, Unicamp e Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – e a França? Que esse projeto estuda as tensões dentro de um prédio após uma descarga elétrica induzida? Que, para medir essas tensões e seus efeitos, a tecnologia francesa utilizada é de lançamento de pequenos foguetes em direção à nuvem carregada? Que esses pequenos foguetes provocam o raio e, assim, os pesquisadores sabem onde ele vai cair e dominam o controle de medição da sua intensidade? Que o resultado dessas medições proporcionará o surgimento de tecnologias de pára-raios e de proteção de equipamentos eletroeletrônicos? Que esses equipamentos precisam muito mais de proteção, pois têm sido fabricados cada vez mais em tamanhos menores e, portanto, são mais sensíveis? E que essa pesquisa, que já tem uma série de dados internacionais e nacionais sendo computados, vai auxiliar nos estudos de “tropicalização” dos equipamentos, ou seja, na fabricação de equipamentos feitos sob medida para os países onde a freqüência das descargas atmosféricas é muito maior? |
Parque Tecnológico
A evolução do conhecimento e do processo produtivo, marcada, nos dias de hoje, pela velocidade do desenvolvimento de ambos num contexto de globalização, exige das universidades brasileiras uma nova prática. É necessário adequar o saber ao mercado, sem desprezar a natureza básica da instituição, pública e social. Esses são princípios que nortearão um dos mais importantes projetos da UFMG, o da criação do Parque Tecnológico de Belo Horizonte. O projeto, que atende a junção dos interesses da Universidade e dos setores público e empresarial, já tem garantido R$ 1,5 milhão da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), provenientes do fundo Verde-Amarelo.
A construção de tal modelo reunirá esforços de representantes da UFMG, da Prefeitura, do Estado e de entidades empresariais, como a Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg), e do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). O Parque absorverá indústrias de ponta em setores como biotecnologia, biomédica, tecnologias da informação e comunicação, novos materiais e, como diz o projeto, “novas frentes que a pesquisa científica e tecnológica venha a abrir, aproveitando janelas de oportunidades”.
Inicialmente, o Parque será instalado em terreno da UFMG, próximo ao campus Pampulha, mas o coordenador de Transferência e Inovação Tecnológica e membro da comissão que elaborará o modelo do Parque, professor Alfredo Gontijo de Oliveira, avisa que não será um Parque da Instituição e, sim, de toda a região metropolitana da Capital mineira. Na área, estarão não apenas o setor de produção, mas empresas que sirvam todo um sistema, como laboratórios de pesquisa; empresas prestadoras de serviços tecnológicos, como um centro de patentes ou, ainda, de assessoria financeira de projetos; empresas de apoio à infra-estrutura, como rede de hotelaria e centro de convenção; museu tecnológico e parque ambiental.