Revista da Universidade Federal de Minas Gerais
Ano 1 - nº. 1 - 2002

Editorial

Entrevista
Reitora discute cotidiano da UFMG

Médicas
Os laços são estreitos com a comunidade

Biológicas
Os bichos são os grandes aliados

Ciências Sociais Aplicadas
Multidisciplinaridade é a marca delas

Ciências da Terra
Ligados no ambiente do planeta terra

Ciências Exatas
O lúdico pôs para correr a imagem de bicho-papão

Engenharias
Eles estão pintando o sete

Humanas
Programas privilegiam a cidadania

Artes
Um bálsamo para a vida

Fump
Acolhimento garante permanência

Hospital das Clínicas
Onde ensino e pesquisa combinam com assistência

Pólo do Jequitinhonha
Desenvolvimento sem abrir mão da regionalidade

Manuelzão
Rio das Velhas ganha novos ares

Cultura
Produção cultural para todos os gostos

Editora
Em sintonia com o mercado

UFMG Diversa
Expediente

Outras edições

Médicas

Com o pezinho na UFMG

Pesquisas e projetos das faculdades das áreas de saúde são revertidos em atendimentos que beneficiam milhões de mineiros

Christoph Reher

Mais de dois milhões de crianças em todo o estado criaram no nascimento uma aliança de saúde com a Faculdade de Medicina da UFMG. O Laboratório de Triagem Neonatal, do Núcleo de Pesquisa em Apoio Diagnóstico (Nupad), é responsável pela maioria absoluta dos exames “teste do pezinho” realizados na rede pública de Minas Gerais. São 24 mil feitos mensalmente, numa estrutura capacitada também para acompanhar por toda a vida a criança que apresentar qualquer uma das três doenças analisadas no teste – a fenilcetonúria, a anemia falciforme e o hipertireoidismo. “O programa de triagem neonatal de Minas Gerais é considerado o terceiro maior do mundo, ficando atrás apenas da Califórnia e do Texas, nos Estados Unidos”, afirma o diretor do Nupad, José Nélio Januário.

O material do teste do pezinho é colhido nos postos de saúde, no quinto dia do nascimento do bebê, e encaminhado para o Nupad que, desde o ano passado, tornou-se também referência em Minas Gerais no programa nacional de triagem neonatal do Ministério da Saúde. Os professores brincam que toda criança em Minas nasce com o pezinho na UFMG, e é verdade. Todos os 856 municípios no Estado encaminham os exames para o Laboratório de Triagem Neonatal.

Além do convênio com o Sistema Único de Saúde (SUS), que permite a realização dos milhares de testes, o Nupad, integrando ambulatórios e a organização não-governamental Instituto de Saúde da Mulher e da Criança, oferece assistência ao paciente de diagnóstico positivo nas três doenças. Atualmente, isso significa um acompanhamento personalizado a 161 pessoas, entre crianças, adolescentes e jovens adultos que foram triados precocemente pelo Nupad e por laboratórios de outros estados. Dessas, 107 são de outros estados; 32 obtiveram diagnósticos tardios fora e dentro de Minas; e 22 são pacientes que apresentam hiperfenilalaninemia permanente.

Na dieta do bebê portador de fenilcetonúria (doença transmitida geneticamente e que pode ter conseqüências graves no desenvolvimento mental) é indispensável o uso do complexo de aminoácidos em substituição ao leite. Esse complexo, cuja lata custa cerca de R$ 140, é distribuído pelo Nupad, por meio de convênio com a Secretaria de Estado da Saúde, para as crianças doentes.

A população é diretamente beneficiada também por outro laboratório do Nupad, o de Genética e Biologia Molecular. Neste, são realizados os exames de investigação de paternidade a pedido da Justiça mineira. O convênio atende a 200 casos por mês. Depois de colhido o sangue dos envolvidos no processo judicial, o laudo da investigação é entregue em 30 dias.

Internato Rural

Laços estreitos com a sociedade também são vistos no projeto de internato rural da Faculdade de Medicina, que comemora a solidez de um relacionamento amadurecido durante décadas e que acompanhou e ajudou a formar o sistema de atendimento à saúde na rede pública. Há 23 anos, alunos do sexto período deslocam-se obrigatoriamente para cidades do interior, onde irão cumprir muito mais do que uma exigência curricular – vão sentir na carne os prazeres e as dores de um profissional da área.

Em dupla ou em turma de quatro pessoas, dependendo da cidade escolhida, conveniados com as prefeituras e a Secretaria de Estado da Saúde, os estudantes programam-se para, durante três meses de permanência (as turmas revezam-se ao longo de todo o ano), prestar atendimento clínico ambulatorial, orientados por um professor responsável e também sob a atenção do médico contratado no local. “É quando o aluno sente pela primeira vez a autonomia de um profissional”, diz o professor Antônio Thomaz da Mata Machado, do Departamento de Medicina Preventiva e Social.

A intenção do Internato Rural é dar experiência ao aluno que está quase se formando, uma oportunidade prática de atuar a partir dos estudos teóricos realizados durante os anos de curso. O atendimento prestado por esses estudantes inclui a atividade preventiva e curativa junto a crianças e adultos e, em especial, o acompanhamento de pré-natal das mulheres. Segundo Mata Machado, os futuros médicos trabalham, hoje, ligados ao programa de saúde da família estabelecido por municípios e pelo Ministério da Saúde.

“Temos segurança de que o aluno nessa fase está totalmente apto ao atendimento exigido. Por outro lado, durante a permanência no Internato, ele se sente também à vontade para, diante de uma situação qualquer, dizer se dá, ou não, conta dela. É por isso que ocorre o acompanhamento do professor e do médico que trabalha na cidade”, explica Mata Machado. Ele destaca a importância do Internato Rural não só na formação do estudante, mas também na estruturação da saúde pública no Estado e no País. “Quando o Internato começou, a maior parte do serviço de hoje não existia, o SUS não era uma realidade, e nem mesmo postos de saúde eram comuns”, lembra o professor, para quem os estudantes ajudaram na formatação desse sistema.

Orientação à população

Farmácia universitária (alto) e centro de estudos de medicamentos (baixo) são importantes referências de ensino e ainda prestam apoio à população

Como prova da influência direta da Universidade nas políticas de saúde pública, o Centro de Estudos de Medicamentos da Faculdade de Farmácia está organizando um programa de farmacovigilância de Minas Gerais, que resultará no Centro Regional de Notificação de Reações Adversas, devendo estar plenamente estruturado e implantado até o início do próximo ano. Nele, será feito o acompanhamento de remédios que apresentam deficiências não detectadas na fase preliminar à sua comercialização. “As reações adversas são um problema de saúde pública”, explica o professor Edson Perini, do Departamento de Farmácia Social, destacando que os reflexos vão desde o mal-estar do paciente até o aumento dos índices de permanência nos hospitais.

O programa funcionará com a participação de médicos, enfermeiros, farmacêuticos e agentes de saúde, que, cadastrados, farão as notificações. A importância do serviço, assinala Perini, pode ser medida relembrando momentos de grande turbulência na área dos medicamentos, como há cerca de quatro anos, quando o País foi invadido por falsos remédios.

O Centro de Estudos de Medicamentos é responsável, ainda, por um trabalho de informação à população em geral, a pesquisadores e também à Justiça, sobre os remédios e seus efeitos. São informações organizadas a partir de publicações científicas, resguardadas de interesses comerciais. “Se qualquer pessoa desconfiar de um medicamento ou quiser detalhes sobre ele, pode nos consultar”, assinala Perini. Um atendimento mais próximo ao consumidor é igualmente oferecido na Farmácia Universitária, instalada na Faculdade de Farmácia, onde sete farmacêuticos, profissionais que cursam especialização e estudantes orientam na compra dos remédios.

A Farmácia Universitária, antes de tudo uma “farmácia-escola”, é acessível a toda a população e vende com descontos de 15% a 18%. “A presença constante do farmacêutico é um diferencial muito grande”, diz a farmacêutica Alba Valéria Melo Morais. O estabelecimento é uma farmácia de manipulação, tem cerca de três mil itens nas prateleiras e um completo estoque de genéricos. “Os genéricos que não temos é por problema de distribuição das indústrias”, afirma Alba Valéria. Ela lembra a autonomia dos profissionais para realizar a substituição dos medicamentos de referência por genéricos. “Fazemos essa substituição com segurança, com critérios que não levam em conta estratégias comerciais, como em muitas drogarias e farmácias”, assinala.

Excelência no atendimento

Autonomia é também a tônica das clínicas da Faculdade de Odontologia, um mundo à parte na atenção à saúde bucal de milhares de pacientes carentes que chegam aos consultórios odontológicos encaminhados pela prefeitura de Belo Horizonte. São 120 consultórios ligados ao curso de graduação, atendendo mensalmente mais de duas mil pessoas. Toda a movimentação é controlada pelo Centro de Atendimento, Seleção e Encaminhamento do Usuário (Caseu).

“A demanda é muito grande, as listas de espera são enormes”, admite o vice-diretor da Faculdade de Odontologia Vagner Rodrigues Santos, ressaltando que a burocracia administrada pelo Caseu não possibilita atendimento de pacientes que não sejam encaminhados pelos postos de saúde e pela central de marcação da Prefeitura. A fila, salienta Santos, é também a garantia da democratização da assistência financiada pelo Sistema Único de Saúde, que paga valores muito baixos por tipo de procedimento. Por uma obturação, por exemplo, as clínicas recebem menos de R$ 2.

“Temos que fazer milagres”, assinala Santos. “O serviço é de muita qualidade e também, por isso, muito procurado”, reforça. Além das clínicas da graduação, existem 12 clínicas dos cursos de pós-graduação. O vice-diretor revela planos da Odontologia que incluem a criação de um atendimento de emergência durante 24 horas e também um serviço especial para funcionários da Universidade.

Enfermagem

Centenas de pessoas que nunca tiveram a oportunidade de se qualificar para exercerem funções de extrema importância no setor de saúde são o foco de um dos projetos de extensão da Escola de Enfermagem, que foi credenciada pelo Ministério da Saúde para atender ao Programa de Profissionalização de Trabalhadores na Área de Enfermagem (Profae). Em várias regiões do Estado estão sendo, desde o final de 2000, desenvolvidos cursos de formação teórica e prática de auxiliares e técnicos de enfermagem.

A Escola de Enfermagem foi escolhida e credenciada pelo Ministério da Saúde para aplicar o Profae, que durará até 2004, porque já tinha trabalho semelhante nessa área. Trata-se do curso de Educação Profissionalizante de Auxiliar de Enfermagem, que, em parcerias com as secretarias municipais de Saúde, atendia às demandas de um profissional mais bem preparado para satisfazer as necessidades do setor.

Tecnologia na medida

Os limites e a potencialidade do corpo humano são revelados e analisados em laboratórios que desenvolvem estudos voltados para pacientes e atletas

Se você quiser encontrar com jogadores de futebol no meio de testes de força muscular ou tentando se adaptar a temperaturas diversas, o caminho mais seguro não é o dos centros de treinamento dos maiores clubes de Minas Gerais, mas a Escola de Educação Física, onde a tecnologia fala alto em nome do corpo humano. No Laboratório de Performance Humana, do departamento de Fisioterapia, atletas esquecem as rivalidades; crianças, jovens ou idosos com algum tipo de lesão motora, pacientes de Parkinson ou vítimas de aneurismas, de derrame cerebral e outros males revezam-se na busca do conhecimento das potencialidades e dos limites do corpo. No Laboratório de Fisiologia do Exercício, no curso de Educação Física, os efeitos da temperatura e da umidade no organismo são pesquisados visando a grandes discussões internacionais.

Osvaldo Afonso

O Laboratório de Performance Humana agrega os mais modernos equipamentos na área de fisioterapia, um luxo necessário ao ensino e que, diz a chefe do departamento, Luci Fuscaldi Salmela, não existe em outro lugar do estado. O Byodex e o Balance Master são alguns dos equipamentos que avaliam capacidade e/ou deficiências motoras e funcionais, força, potência e grau de fadiga muscular, distúrbios do equilíbrio, etc. São ferramentas de trabalho muito importantes para o fisioterapeuta e também meios de pesquisa, pois detectam com maior precisão a eficácia de tratamentos. Não é em vão que os clubes do Cruzeiro e Atlético mantêm convênios com o Laboratório, pois ali as condições físicas dos atletas são analisadas com precisão.

O time cruzeirense teve, inclusive, a oportunidade de usufruir de um dos equipamentos mais modernos de toda a UFMG. Na câmara de simulação climática do Laboratório de Fisiologia do Exercício do curso de Educação Física, os jogadores sentiram na pele o frio do Japão, num treinamento que antecedeu uma partida em Kobe, durante o inverno. Mas isso foi quase uma brincadeira, diz o coordenador do Laboratório, professor Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues. Ele destaca a enorme importância de pesquisas que se avolumaram desde a aquisição da câmara, um equipamento importado dos Estados Unidos, em 1995, por US$ 180 mil, e, até então, o único no País (a Universidade Federal do Rio Grande do Sul está adquirindo um semelhante).

Na câmara, é possível simular qualquer clima da face da Terra e temperaturas que vão de 30 graus negativos até 55 graus positivos. No Laboratório de Fisiologia do Exercício estão quatro professores com doutorado e uma doutoranda orientando alunos de pós-graduação. As pesquisas trabalham especialmente o conhecimento sobre os efeitos da temperatura e da umidade no corpo em diferentes condições do organismo e contribuem para importantes discussões científicas internacionais. “Estamos pesquisando áreas onde ainda existem muitas dúvidas”, lembra Rodrigues.