Revista da Universidade Federal de Minas Gerais
Ano 1 - nº. 1 - 2002

Editorial

Entrevista
Reitora discute cotidiano da UFMG

Médicas
Os laços são estreitos com a comunidade

Biológicas
Os bichos são os grandes aliados

Ciências Sociais Aplicadas
Multidisciplinaridade é a marca delas

Ciências da Terra
Ligados no ambiente do planeta terra

Ciências Exatas
O lúdico pôs para correr a imagem de bicho-papão

Engenharias
Eles estão pintando o sete

Humanas
Programas privilegiam a cidadania

Artes
Um bálsamo para a vida

Fump
Acolhimento garante permanência

Hospital das Clínicas
Onde ensino e pesquisa combinam com assistência

Pólo do Jequitinhonha
Desenvolvimento sem abrir mão da regionalidade

Manuelzão
Rio das Velhas ganha novos ares

Cultura
Produção cultural para todos os gostos

Editora
Em sintonia com o mercado

UFMG Diversa
Expediente

Outras edições

Entrevista

Educação, relevante bem público

Ana Lúcia Almeida Gazzola

A reitora Ana Lúcia Almeida Gazzola fala sobre os principais projetos e pautas presentes no dia-a-dia da UFMG e afirma que a Universidade tem como papel social colaborar para um projeto de nação

Como a senhora avalia a UFMG quando ela completa 75 anos?

É uma universidade jovem, apesar de ser uma das mais antigas do País. É reconhecida nacionalmente pelo ensino de graduação e pós-graduação, pela excelência em pesquisa, é competitiva internacionalmente em várias áreas acadêmicas, desenvolve novos projetos, como o de cursos multidisciplinares, institutos de estudos avançados, parque tecnológico e grandes programas de extensão. A UFMG é um patrimônio público importante e um instrumento estratégico para o desenvolvimento regional e para o desenvolvimento do País.

Que projetos a senhora destacaria como mais importantes neste momento?

Foca Lisboa

Em primeiro lugar, a consolidação do Campus. Estamos com três obras iniciadas: os prédios da Farmácia, do Departamento de Química e a complementação do anexo da Faculdade de Educação. Já temos autorização de Brasília para negociar com a Prefeitura os prédios do centro, o que viabilizará a construção das unidades da Engenharia e da Ciências Econômicas. Outro grande projeto é o da construção de um parque tecnológico de indústrias limpas, que será importante para inovação e transferência tecnológica e uma grande forma de relação da UFMG com a Capital e o Estado. Investimos também na consolidação do Hospital das Clínicas, que tem recebido recursos importantes do setor público, da iniciativa privada e por meio de emendas dos parlamentares mineiros ao orçamento. Um quarto projeto é o de internacionalização da UFMG, o que possibilita enviar nossos alunos ao exterior e receber alunos de fora. Permitirá, também, a realização de pesquisas em caráter de cooperação, a participação em consórcios internacionais universitários e em projetos temáticos. A expansão do enraizamento regional é outro objetivo nosso. Significa ampliar nossa atuação no Estado e aumentar a oferta de cursos em localidades onde já temos sede, como Diamantina e Montes Claros.

A Universidade tem presença em projetos sociais e influencia políticas públicas?

É absolutamente estratégico e relevante que a Universidade faça isso. Como instituição pública e com experiência em tantos campos do conhecimento, uma das obrigações da Universidade é participar da formulação e implementação de políticas de interesse público. Um exemplo é o Internato Rural, que é da Medicina, mas envolve, hoje, várias outras áreas, interferindo na execução e planejamento das políticas de saúde. Outro projeto que destaco, entre outros, é o do Centro de Pesquisa em Segurança Pública, o Crisp, ligado ao Departamento de Sociologia e Antropologia, que trabalha com questões relacionadas à violência urbana e de segurança pública.

O que a senhora pensa sobre o Vestibular e projetos que buscam novas formas de seleção de alunos, como, por exemplo, o de definição de cotas para negros?

Uma vez que não existem vagas para todos os que querem entrar na Universidade, o Vestibular faz uma seleção por mérito, que é produtiva, mas acaba sendo um instrumento de exclusão. Devemos fazer do Vestibular um instrumento que garanta a maior eqüidade possível de acesso e, ao mesmo tempo, associar a isso uma política de assistência mais conseqüente, para assegurar a permanência do estudante na Universidade.

Sou favorável ao sistema de cotas para a rede pública e acredito que, com um sistema adequadamente construído, a Universidade possa buscar os melhores talentos que estão nessa rede. Embora o sistema de cotas seja um instrumento de inclusão, a escolha de uma cota étnica implica exclusão de outras possibilidades. Essa é uma questão que tem de ser amplamente debatida, para que a Universidade, informada, tome as decisões em seus órgãos colegiados. Sem dúvida alguma, o racismo é uma triste realidade no nosso País.

Como a senhora avalia a produção acadêmica da UFMG tanto em relação às outras Universidades brasileiras quanto às do exterior?

Há dez anos, a participação brasileira em relação à produção internacional era de 0,7%. Hoje, dobrou: é de 1,3%. É um aumento significativo, mas ainda é um lugar muito acanhado no cenário da produção científica internacional. Pior do que isso. É facílimo perder mesmo esse lugar acanhado. As crises do fomento à pesquisa, os financiamentos intermitentes, as dificuldades que todos nós, pesquisadores, enfrentamos para realizar os projetos de maneira conseqüente têm um preço, e o preço é essa participação acanhada. Mas é importante perceber que o Brasil tem crescido. O sistema de pós-graduação brasileiro, composto, sobretudo, pelas Universidades públicas é, talvez, o melhor entre os países em desenvolvimento. A UFMG, por exemplo, tem quatro cursos avaliados como de padrão internacional. Paralelamente, são precisos recursos para apoiar a pesquisa e para a transferência dos resultados dessa pesquisa para as empresas.

O que a senhora acha do surgimento no País, nos últimos anos, de uma quantidade enorme de cursos de graduação, especialização e pós-graduação?

A Especialização responde a uma demanda clara de mercado. A educação continuada, seja a distância, seja pelo retorno presencial à Universidade, é uma necessidade, é um instrumento para que o trabalhador continue capaz de competir no mercado. O problema é a falta de controle de qualidade. Temos um número muito grande de cursos de especialização puramente mercantilistas, sem qualquer controle de qualidade.

Mais recentemente, surgiu um outro problema, a tentativa da Organização Mundial do Comércio de incluir a educação como produto ou serviço regulamentado apenas comercialmente ou desregulamentado do ponto de vista dos países. Isso é uma questão muito grave. É imprescindível que as fronteiras do Brasil não sejam abertas, sem regulamentação, a pacotes de qualidade duvidosa que estão entrando e que entrarão, se isso for aprovado.

Nessa queda de braço, quem está ganhando?

Sei quem está perdendo. Perde o interesse público, a soberania nacional, perde a possibilidade de que a educação continue sendo vista como bem público e direito social. Transformar a educação em mercadoria significa atrelar o projeto de desenvolvimento do País aos interesses do grande capital. Somos rigorosa e radicalmente contra qualquer projeto que transforme o bem público que é a educação em mercadoria. Educação não é isso; é um instrumento de desenvolvimento, de fundamentação, ancorado no contexto e na identidade cultural de cada povo. Transformá-la em mercadoria é suicídio. Qualquer país que aceitar isso estará abdicando de sua soberania e de sua capacidade de controlar, de forma autônoma, o próprio destino.

A UFMG é um patrimônio público importante e um instrumento estratégico para o desenvolvimento regional e para o desenvolvimento do País.

Como a senhora encara os programas de avaliação de professores e alunos impostos pelo MEC?

Como acadêmica, professora e pesquisadora, sou absolutamente favorável a avaliações. Aliás, é o que fazemos todos os dias, com provas, concursos, teses, publicação de livros e artigos. Nosso trabalho é permanentemente voltado à avaliação e à crítica. Existem vários tipos de avaliação, como a auto-avaliação que as instituições fazem para corrigir rumos e definir investimentos; existem avaliações externas, que, geralmente, são feitas ou por associações científicas, para terem um mapa da situação da área, ou pelo Governo, que são avaliações de eficácia, para ver retorno de investimento, etc. Todas são legítimas e nenhuma sozinha faz sentido. As avaliações precisam compor um corpo complexo. Uma avaliação positiva que existe no Brasil é a da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), em que professores envolvidos com pós-graduação visitam os cursos, analisam documentos, debatem e fazem um ranking desses cursos. Essas são muito positivas e bem-sucedidas. São instrumentos construtivos, não-punitivos, com que se avalia o programa como um todo, e não, os indivíduos.

E o provão?

Há nele um lado positivo, o lado da análise das condições de oferta do curso, da qualificação do corpo docente e da estrutura curricular. Esses três indicadores e as visitas que as comissões de pares fazem também são muito importantes. Qual o problema principal do provão? É que não há instrumento para corrigir os defeitos apontados, não há punição para aqueles que sistematicamente obtêm péssimos resultados, e estou falando das condições de oferta. Outro problema é o de legitimidade, porque esse instrumento não foi construído com debates, foi imposto de cima para baixo. Tem sofrido boicotes consecutivos dos estudantes. Então, o resultado não é confiável.

A senhora acredita que as divergências entre as Universidades públicas e o Governo Federal, tanto em relação às avaliações quanto ao financiamento, estão próximas de um fim? Qual a expectativa da senhora em relação às eleições e ao próximo Presidente da República?

Minha opinião é a de que o País precisa ser redirecionado. Há questões graves que não são enfrentadas: o crescimento da violência urbana, a falta de políticas públicas de saúde e de educação, a falta de financiamento para que essas políticas sejam executadas de forma adequada. É preciso voltar os olhos para as áreas de habitação, saneamento, soberania e cidadania. Do ponto de vista das universidades públicas federais, eu gostaria que o Governo visse esse sistema como um parceiro para o desenvolvimento do País e não, como antagonista. Nós não somos antagonistas do Governo, mas nós não somos Governo. As Universidades Federais são um projeto de estado, a nossa função social é colaborar para um projeto de nação.

Como a senhora analisa as greves que acontecem nas Universidades Federais?

Eu desejaria, como professora e dirigente, que não fosse preciso fazer greves, mas, infelizmente, não é o caso. A história do trabalho no Brasil é a história da luta por meio de movimentos de reivindicação. A greve é um direito legítimo. Ninguém faz greve porque deseja, mas para conseguir o atendimento de uma reivindicação trabalhista ou por uma questão institucional. O salário adequado, com uma carreira adequada, evidentemente redundará em benefícios para a Instituição, que estará cumprindo melhor seu papel social. A greve causa grande prejuízo à sociedade, tanto à sociedade interna à Universidade, que são os alunos, quanto à sociedade que recebe o impacto da nossa atuação. Um exemplo é a comunidade que utiliza o Hospital das Clínicas. É um círculo vicioso. As greves repercutem mal na sociedade, e a Universidade precisa dar visibilidade às atividades, primeiro, porque é obrigação de uma Instituição Pública, financiada pela população brasileira, e, segundo, porque temos que mostrar o que fazemos, para que a sociedade perceba o papel estratégico de uma Universidade para o futuro do País.