Revista da Universidade Federal de Minas Gerais
Ano 1 - nº. 1 - 2002

Editorial

Entrevista
Reitora discute cotidiano da UFMG

Médicas
Os laços são estreitos com a comunidade

Biológicas
Os bichos são os grandes aliados

Ciências Sociais Aplicadas
Multidisciplinaridade é a marca delas

Ciências da Terra
Ligados no ambiente do planeta terra

Ciências Exatas
O lúdico pôs para correr a imagem de bicho-papão

Engenharias
Eles estão pintando o sete

Humanas
Programas privilegiam a cidadania

Artes
Um bálsamo para a vida

Fump
Acolhimento garante permanência

Hospital das Clínicas
Onde ensino e pesquisa combinam com assistência

Pólo do Jequitinhonha
Desenvolvimento sem abrir mão da regionalidade

Manuelzão
Rio das Velhas ganha novos ares

Cultura
Produção cultural para todos os gostos

Editora
Em sintonia com o mercado

UFMG Diversa
Expediente

Outras edições

Humanas

Índio quer escola

Ao contrário do que diz a música, apito não entusiasma indígenas, cujas aspirações são educacionais

Envolvidos pela natureza exuberante que domina o Parque Estadual do Rio Doce, professores da UFMG unem-se num projeto de ensino que respeita as diferenças, adota a pluralidade e não impõe valores de uma cultura a outras. Esses são conceitos valorizados nas escolas indígenas do estado, onde os professores foram escolhidos pelos próprios habitantes das aldeias, capacitados por uma equipe multidisciplinar coordenada pela Faculdade de Educação (FaE) e colocados à frente do desafio pedagógico de conquistar e não submeter.

Osvaldo Afonso

A primeira turma de formação de 66 professores indígenas foi criada em 1995, a partir de um projeto liderado pela Secretaria de Estado da Educação, seguindo os parâmetros de um programa curricular nacional para as escolas em aldeias. Com a participação da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Instituto Estadual de Florestas (IEF), a UFMG deu a esses professores as bases para o trabalho com mais de duas mil crianças dos povos krenak, xacriabá, maxacali e pataxó. A segunda experiência já está em curso, com a formação de outros 77 professores que atuarão em mais quatro aldeias.

O censo da educação indígena elaborado pelo Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep/MEC) mostrou que, no Brasil, existem 93 mil alunos em 1.392 escolas indígenas, com quase quatro mil professores, sendo 76,5% deles de origem indígena. Passado tão pouco tempo do início do trabalho em Minas Gerais, a preocupação maior não é mais apenas a de implantar o ensino, mas a de qualificá-lo e também expandi-lo, pois as escolas atendem, atualmente, só alunos da primeira à quarta séries. Segundo a professora Ana Maria Rabelo Gomes, do departamento de Ciência Aplicada da FaE, já se pode falar que 90% das crianças indígenas freqüentam escolas, um ganho comparado ao que o ensino regular levou décadas para alcançar.

Antes das escolas indígenas, a educação nas aldeias era intermitente, panorama que foi mudado, especialmente porque o projeto se preocupa com a realidade de cada tribo. Na aldeia dos maxacali, por exemplo, praticamente toda a população só fala a língua da tribo e, assim, as crianças estão sendo alfabetizadas. “Só agora está aparecendo uma demanda pelo português”, ressalva Ana Gomes, destacando a importância da escola diferenciada, que atentou para a preservação da língua e, conseqüentemente, da cultura daquele povo. “As escolas indígenas são bilíngües e até multilíngües”, conta a professora. Esse caráter é fundamental e torna-se ainda mais importante quando se remete ao passado. No Brasil, estima-se que existam 170 línguas e dialetos indígenas, mas, quando os portugueses aqui chegaram, esse número excedia a mil.

São muitas as mudanças que ocorrem nas comunidades, a partir das escolas com os professores índios, e são observadas por um grupo de pesquisa da FaE, que fará a análise dessa nova realidade. Para se ter uma idéia do quanto o processo mexeu com a Universidade, basta saber que a Instituição estuda a possibilidade de criação de cursos superiores voltados para essas populações. “A experiência criou um espaço de aprendizado para os professores indígenas, para os professores formadores e, portanto, para a própria Universidade”, afirma Ana Gomes.

Veredas do ensino

Numa ação semelhante em busca da inovação, a FaE participa, com outras 17 instituições de ensino superior no estado, da primeira iniciativa de graduação a distância da UFMG, que qualificará com diploma universitário e título de normal superior, cerca de 15 mil professores da rede pública estadual e municipal. Intitulado Veredas, o projeto atende a exigências da Lei de Diretrizes e Bases para que, até 2006, todos os professores das séries iniciais tenham formação superior. “O curso implantado pela UFMG tem caráter emergencial”, ressalta Ana Gomes, ao lembrar que ele foi formulado para atender a uma demanda específica.

Iniciado em fevereiro passado (a duração será de três anos e meio), o curso reúne, na UFMG, 600 alunos, orientados por 39 tutores de diferentes Unidades, desde o Colégio Técnico até o Instituto de Geociências. O Veredas foi formulado pela Secretaria de Estado da Educação, e sua proposta pedagógica discutida com todas as instituições de ensino superior que o integram. A Universidade realizou vários cursos de qualificação de professores do ensino fundamental e médio, porém esta é a primeira vez que a Instituição assume um programa de graduação a distância.

“A decisão de participar do Veredas é muito importante, porque reafirma a intenção da UFMG de promover a qualidade do ensino público”, avalia Ana Gomes. Ela lembra que, apesar do pouco tempo de implantação, os relatos de alunos e professores emocionam e demonstram retorno positivo. “É interessante você notar, por exemplo, a freqüência desses alunos às bibliotecas da Universidade e o quanto eles valorizam o fato de estar ligados à UFMG”, salienta Ana Gomes, comemorando a grande aproximação com a rede pública.

“Quem conta um conto...”

Osvaldo Afonso
Sob a orientação de professores, estudantes revelam o universo mágico do vale do jequitinhonha em músicas e contos

Na Faculdade de Letras, monstros, príncipes, mágicos e outros personagens fantásticos que habitam o imaginário do Vale do Jequitinhonha estão sendo revelados pelo projeto ”Quem conta um conto aumenta um ponto”. Ainda na década de 80, os professores Vera Lúcia Felício Pereira e Reinaldo Martiano Marques, da Pontifícia Universidade Católica (PUC/Minas), fizeram as primeiras gravações de histórias narradas pelo povo daquela região. O acervo foi passado para a UFMG, ampliado, e, atualmente, são mais de 200 gravações, com as vozes de cerca de 50 contadores.

Coordenado pela professora Sônia Queiroz, o “Quem conta um conto aumenta um ponto” publicou dois livros: o primeiro deles, Sete histórias de encanto e magia; o segundo tem o mesmo título do projeto e disseca a história O minino da noguera. Além da transcrição da fita (os dois livros são acompanhados de CD com as gravações originais), o livro traz a história transcriada, com o foco narrativo e a estrutura mudados. O trabalho também é feito por alunos, como Cristina Borges, do quinto período de Letras, uma das integrantes de dois grupos de contadores nascidos do projeto – o Contae e Os linguarudos.

“Os grupos surgiram do desejo de contar as histórias que estávamos conhecendo”, lembra Cristina. Com a participação de alunos da Música, o Contae e Os Linguarudos realizam performances em eventos e até em festas particulares, divulgando o universo fantástico do Jequitinhonha. Os contos são sempre histórias de encantamento, recheadas de personagens que sofrem metamorfose. Os contadores são, especialmente, pessoas idosas, que relembram velhas histórias ouvidas na infância.

Poesia concreta

Programa da Escola de Arquitetura ensina a construir com eficiência e segurança

Eber Faioli
Liderando projeto de construção de novos prédios no campus pampulha, a arquitetura inova ao propor criação coletiva

Mutirão não é apenas um grupo erguendo paredes. Quando uma obra é realizada conjuntamente, a satisfação daqueles que vêem nascer das próprias mãos o lugar onde vão morar não é superada por nada, nem poderia, porque o que se constrói são sonhos antigos. Mas as equipes que trabalham não podem fugir de uma realidade: a mão-de-obra sofre problemas típicos da falta de especialização e padece com questões que vão desde o desperdício de material até um vaso sanitário mal instalado. Para acabar com esses entraves, a Escola de Arquitetura e Urbanismo desenvolve um projeto pioneiro no País e provavelmente no mundo, já que o Brasil detém as principais tecnologias entre os países que utilizam o sistema mutirão.

O projeto Mutirão São Gabriel, que será realizado no bairro de mesmo nome, na região Nordeste de Belo Horizonte, para abrigar cerca de 150 famílias de baixa renda, é a primeira parceria da Escola de Arquitetura e Urbanismo com a prefeitura belo-horizontina na área de construção habitacional. Em aproximadamente dois anos de trabalho, a equipe coordenada pela professora Maria Lúcia Malard vai desenvolver, além das plantas arquitetônicas dos prédios e casas, a “informatização do mutirão”. Será a primeira experiência de capacitação de mutirantes por meio de jogos eletrônicos, como aqueles de aventura jogados nos computadores por milhões de crianças e adultos.

No Laboratório Gráfico para o Ensino da Arquitetura (Lagear), em funcionamento há dez anos, os jogos desenvolvidos para o projeto ajudarão os profissionais a treinar os mutirantes em tarefas que envolvem toda a construção de uma casa, como a limpeza do terreno ou a instalação dos telhados. “Vamos aplicar o lúdico para potencializar o processo”, diz Maria Lúcia. Segundo a professora, se o jogador, por exemplo, estiver construindo uma parede de maneira inadequada, ela cai, e o “construtor” perde ponto. Com erros e acertos, o jogador vai-se qualificando para a tarefa.

Todo o trabalho será feito em dez meses. A adaptação dos mutirantes ao mundo dos computadores, uma novidade para a grande maioria deles, faz parte de workshops que antecedem o início da obra. “É um novo modo de ensinar técnicas construtivas para quem não está acostumado com elas”, salienta Maria Lúcia. Os jogos não contemplarão apenas técnicas para as obras civis, mas também a parte de logística, como o planejamento de planilhas. Depois de pronto, o Mutirão São Gabriel estará disponibilizado na Internet, auxiliando mutirões em todo o mundo.

A Escola de Arquitetura e Urbanismo também liderou o projeto Campus 2000, que prevê a transferência de todas as Unidades da UFMG ainda espalhadas pela cidade para o campus Pampulha. Professores e cerca de 30 alunos trabalharam para a própria Universidade em um processo de criação coletiva, prática pouco comum no mercado. “Todo mundo criou e se envolveu com todo o processo e não em parte dele. Além disso, foi um trabalho com a participação do próprio usuário”, destaca a professora. Os prédios novos abrigarão a Faculdade de Farmácia; a Escola de Engenharia; a Faculdade de Ciências Econômicas; os anexos do Instituto de Geociências, dos departamentos de Química e da Faculdade de Educação; e os edifícios dos departamentos de Fisioterapia e Terapia Educacional, da Faculdade de Educação Física.

A gente quer saída

Centro de Estudos da Fafich norteia políticas de segurança em Minas Gerais

Osvaldo Afonso
Universidade está de olho em índices que traduzem movimentos econômicos e sociais brasileiros

A violência que assusta e atemoriza a população está longe de ser resolvida, mas os governos, as polícias e as entidades civis do Estado encontram, nas pesquisas realizadas pelo Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp), bases de apoio na busca de soluções para o problema. Foram os atlas da violência em Belo Horizonte e em Minas Gerais que desmitificaram conceitos correntes e revelaram, por exemplo, que os crimes cometidos contra o patrimônio concentram-se nas áreas de comércio e nas mais ricas das cidades, e que a violência contra a pessoa é maior nas regiões onde a infra-estrutura urbana é pior.

Sediado no departamento de Sociologia e Antropologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, o Crisp realiza estudos que têm auxiliado a Polícia Militar de Minas Gerais nas estratégias de combate aos crimes e sustentam o Programa de Policiamento Comunitário na Capital, no qual a polícia, a Prefeitura e os representantes das comunidades integram o planejamento das ações de prevenção e proteção. Assim, se você for parado numa blitz quando estiver num táxi em Belo Horizonte, saiba que a ação policial nos locais preestabelecidos é um dos frutos do mapeamento da criminalidade. A ação orientada permitiu, em 2001, a queda desse tipo de delito em 34%, se comparado com o índice de 2000.

“Esta é uma experiência que tem mudado o relacionamento entre os órgãos de segurança e a sociedade”, diz Ana Cristina Collares, ao ressaltar que o Crisp está iniciando uma pesquisa sobre as perdas sociais causadas pela violência nas escolas. O trabalho integrado às grandes discussões da atualidade faz parte também da dinâmica do Núcleo de Estudos sobre Trabalho Humano, sucessor do Laboratório de Movimentos Sociais Urbanos, nascido no departamento de Ciências Políticas (DCP), desmontado pelas pressões da ditadura militar na década de 70.

O Núcleo se faz presente no debate científico de questões como os efeitos da globalização no mundo do trabalho, mas é também responsável por iniciativas práticas que culminaram na implantação da Escola Sindical Sete de Outubro, na região metropolitana de Betim, e na criação de uma rede de 86 universidades, a Unitrabalho. “A nossa atuação é um resgate da dívida social que as universidades têm com a classe trabalhadora”, diz o professor Carlos Roberto Horta.

De olho nos índices que traduzem movimentos econômicos estão o Instituto de Pesquisas Econômicas, Administrativas e Contábeis de Minas Gerais (Ipead) e o Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar), da Faculdade de Ciências Econômicas (Face). O custo da cesta básica em Belo Horizonte, a inflação, a análise da evolução das taxas de juros e dos preços ao consumidor são medidos e divulgados, até semanalmente, pelo Ipead, que já se tornou uma referência em todo o País.