Revista da Universidade Federal de Minas Gerais
Ano 2 - nº 4 - Maio 2004

Editorial

Entrevista - Axel Kahn

Aliado da ciência
Uma instância para a crítica do conhecimento

A biotecnologia na área da saúde - Joaquim Antônio César Mota

Saúde
Esperança no horizonte

Sociedade
Sob os olhares de Hubble

Ciência e ética: um pacto fadado ao fracasso? - Ricardo Fenati

Violência & criminalidade
Em busca de uma ação solidária

Clonagem: limites e possibilidades -
Sérgio D. J. Pena

Entre a prudência e o sonho - Telma Birchal

Teatro
Arte que liberta

A ética nos mass media - Rodrigo Duarte

Ambiente
Vida longa, Mata Altântica

O meio ambiente como bem comum - Rogério Parentoni e Francisco A. Coutinho

Comunidade
Um por todos, todos por um

Comportamento
Gerações em conflito

Qualidade de vida
Luta pelo bem-viver

Rede digital
Solidariedade em cadeia

A mídia e a Medusa: as imagens televisivas e a ética - César Guimarães

UFMG Diversa Expediente

Outras edições

Aliado da ciência

Uma instância para a crítica social do conhecimento

Comitês de Ética da UFMG, dos primeiros do país, querem aperfeiçoar-se

A atividade científica não é inocente ou movida apenas por interesses altruísticos. Ainda que a liberdade do pensamento seja um valor essencial a ser preservado em benefício do próprio avanço do conhecimento, os cientistas não podem reivindicar uma neutralidade axiológica que os isente de quaisquer questinamentos ou, até mesmo, da necessidade de controle social sobre o que fazem. Quando nada, porque esse conhecimento, fruto tanto de reflexões teóricas quanto de práticas desenvolvidas nos laboratórios, impacta, cada vez mais, a vida das pessoas e o funcionamento da sociedade, que, em última análise, os financia e deve ser sua beneficiária. A exigência de alguma forma de regulamentação se torna ainda mais dramática quando o objeto dessas pesquisas são seres humanos.

Essa é a justificativa para a existência, no âmbito das instituições universitárias, de comitês de ética em pesquisa, como os que funcionam na UFMG, com poderes para avaliar, do ponto de vista dos valores humanistas, a pertinência ética de pesquisas nela desenvolvidas. O primeiro é o Comitê de Ética em Pesquisa (Coep), que existe desde 1997, e o segundo o Comitê de Ética em Experimentação Animal (Cetea), criado em junho de 2000.

“Mesmo na Universidade, os comitês de ética em pesquisa não foram aceitos sem contestações. Entre nós, muita gente ainda questiona suas exigências, o que torna necessária uma ampla divulgação de seu papel”, diz o presidente do Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG, professor e médico infectologista Dirceu Greco. Ele vem exercendo a presidência do órgão ao longo de dois mandatos consecutivos, mas será substituído no cargo pela professora Maria Helena de Lima Perez Garcia, do departamento de Bioquímica e Imunologia do ICB, eleita em março deste ano.

Greco argumenta que “os comitês de ética são educativos, embora muita gente ache que eles existem apenas para punir e não para contribuir com a ciência e melhorar os projetos, indo muito além da imposição de crivos”.

No Brasil, os primeiros comitês de ética, que avaliam pesquisas com seres humanos, surgiram apenas na década de 90. Apesar da exigência do Conselho Nacional de Saúde (CNS), estabelecida em 1988 e reforçada em 1996, muitas instituições de pesquisa não dispõem, até hoje, de um organismo dessa natureza.

No entanto, nosso país é um dos signatários da “Declaração de Helsinque”, assim chamada porque foi na capital da Finlândia que se realizou, em 1964 a 18a reunião da Associação Médica Mundial, que deu a origem às normas éticas em vigor para pesquisas com seres humanos.

Mateus Gomes Pedrosa

Éticamente correto

Dirceu Greco parte do princípio de que não existe projeto de pesquisa cientificamente correto, se este não for eticamente correto. Por isso, acredita que os pesquisadores não têm motivos para temer a ação dos comitês.

Para ele, a sociedade deve exercer um controle maior sobre as ações de comitês que lidam com pesquisa em seres humanos. “Muitas vezes, mais do que a vulnerabilidade de uma pesquisa é importante discutir a relevância dela. Essa só é totalmente garantida quando existe o controle social”, sustenta o pesquisador, lembrando que, na área médica, por exemplo, 90% dos gastos com pesquisas em países desenvolvidos estão relacionados a, apenas, 10% das patologias existentes.

Entre os problemas enfrentados pelo Comitê, Greco aponta, além do trabalho intenso na análise de projetos, a incapacidade do órgão de acompanhar a pesquisa durante sua fase de desenvolvimento. “O pressuposto é que os pesquisadores são bem intencionados, mas acreditamos que seria necessário algum tipo de controle”, assinala.

Origem e funcionamento

O Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG nasceu em março de 1997, menos de um ano depois da Resolução 196/96 do CNS, que passou a regulamentar todas as pesquisas realizadas com seres humanos no país, tanto do ponto de vista ético quanto do metodológico. Seus princípios se baseiam em conceitos de justiça e de benefícios, não só para os pesquisadores mas para a sociedade em geral, incluindo o resguardo contra prejuízos aos voluntários.

Ele é composto por 30 membros, entre eles, dois representantes do Conselho Municipal de Saúde, um funcionário não-pesquisador da Universidade e um teólogo. A participação externa é fundamental, acredita o presidente, que vê um “pecado original” no fato de a composição dos comitês de ética, geralmente, contar com maioria de membros da própria instituição. “Isso só vai mudar quando toda a sociedade estiver consciente dos seus direitos e o voluntário for realmente cidadão”, assinala.

Críticas

A heterogeneidade do Comitê não garante, entretanto, que ele esteja isento de críticas. Para o professor Alisson M.Carvalho, do Departamento de Psicologia, há uma concentração de pesquisadores na área biológica, o que prejudica as outras áreas de pesquisa da Universidade.

A Psicologia, lembra ele, atua numa interface entre as áreas biológica e humana, particularidade muitas vezes não compreendida. Por isso, acredita, procedimentos comuns numa pesquisa acabam gerando exigências desnecessárias no Comitê. “Como medir efeitos adversos de uma entrevista?”, indaga Carvalho, ao lembrar que se exige do pesquisador a garantia de que efeitos adversos não vão ocorrer. Isso, na sua opinião, é muito difícil de ser medido.

O Comitê de Ética da UFMG reúne-se uma vez por mês e os participantes reavaliam projetos que já passaram por outra instância de avaliação, nos seus departamentos ou serviços de origem. Essa dinâmica é criticada pelo professor André Murad, do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina, sob a alegação de que esse processo gera duplicidade de funções e estende prazos além da medida.

Vinculado ao Serviço de Oncologia do Hospital das Clínicas, Murad acredita que esse processo cria entraves para os pesquisadores, porque é lento e não atende à urgência dos financiadores de pesquisas. “O Comitê é perfeito, seus membros são extremamente capacitados e fazem avaliações muito boas, mas a sua dinâmica atrapalha os pesquisadores”, ressalva Murad.

Ele completa: “Pelo menos 90% das pesquisas que faço são contratadas pela indústria farmacêutica, que não fica esperando muito tempo a Instituição se manifestar. Os prazos impostos pela UFMG são longos – um projeto pode levar até cinco meses para ser aprovado”, argumenta. Para ele, dessa forma, a UFMG “perde competitividade” na disputa com outras instituições.

O professor Luiz Gonzaga Vaz Coelho reforça a opinião de Murad. Ligado ao Instituto Alfa de Gastroenterologia, do Hospital das Clínicas, Coelho conta que, também, já perdeu a oportunidade de participar de estudos multicêntricos por causa da lentidão do Comitê de Ética. “Quando o Comitê analisou, o estudo já se tinha encerrado”, lamenta.

Inovações

As normas que presidem o Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG, uma instância ligada diretamente ao Reitor, estabelecem que ele seja parcialmente renovado, a cada 18 meses, em um terço de sua composição, sendo que os pesquisadores podem ser indicados pelas diversas Unidades. Atualmente, discute-se a possibilidade de eleição para o preenchimento das vagas, com a inscrição dos candidatos no Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe). Os nomes passarão a ser encaminhados à Pró-Reitoria de Pesquisa.

Está, também, em discussão a proposta de que diplomas de mestrado ou doutorado provenientes de pesquisas com seres humanos só sejam aprovados se os projetos tiverem sido submetidos ao Comitê de Ética.

Durante o ano de 2003, foram apresentados cerca de 300 projetos, lembra Dirceu Greco, mas, “certamente, nem todas as pesquisas em andamento foram avaliadas nesta instância”. Mas a produtividade do Comitê também pode ser medida em números. Somente na reunião de novembro, lembra o professor, o Comitê analisou 46 projetos.

Onde encontrar - O Comitê de Ética em Pesquisa funciona na avenida Alfredo Balena, 110. O telefone é (31) 3409-9364 e o site http://www.ufmg.br/coep.html.