Revista da Universidade Federal de Minas Gerais
Ano 2 - nº 4 - Maio 2004

Editorial

Entrevista - Axel Kahn

Aliado da ciência
Uma instância para a crítica do conhecimento

A biotecnologia na área da saúde - Joaquim Antônio César Mota

Saúde
Esperança no horizonte

Sociedade
Sob os olhares de Hubble

Ciência e ética: um pacto fadado ao fracasso? - Ricardo Fenati

Violência & criminalidade
Em busca de uma ação solidária

Clonagem: limites e possibilidades -
Sérgio D. J. Pena

Entre a prudência e o sonho - Telma Birchal

Teatro
Arte que liberta

A ética nos mass media - Rodrigo Duarte

Ambiente
Vida longa, Mata Altântica

O meio ambiente como bem comum - Rogério Parentoni e Francisco A. Coutinho

Comunidade
Um por todos, todos por um

Comportamento
Gerações em conflito

Qualidade de vida
Luta pelo bem-viver

Rede digital
Solidariedade em cadeia

A mídia e a Medusa: as imagens televisivas e a ética - César Guimarães

UFMG Diversa Expediente

Outras edições

Saúde

Esperança no horizonte

Projeto testa vacinas contra Aids e realiza acompanhamento médico de homossexuais e bissexuais

“Hoje, minha mãe sente orgulho por eu participar do grupo”, regozija-se o empacotador de biscoitos Eustáquio Silva Santos, de 33 anos. O grupo a que ele se refere é o de beneficiários do Projeto Horizonte, desenvolvido por pesquisadores da Faculdade de Medicina da UFMG para o Centro Nacional de Vacinas Anti-HIV de Minas Gerais, que faz o acompanhamento de homossexuais e bissexuais masculinos com teste HIV negativo. Homossexual assumido desde os 17 anos, Eustáquio tem razão de sentir-se gratificado – durante muito tempo, sentiu-se rejeitado, mas, agora, acredita que a participação no Horizonte influenciou na sua integração familiar.

Vlad Poenaru / Marcelo Kraiser

Não é só na vida em família de Eustáquio que o Horizonte se reflete positivamente. “No meio GLS, o projeto é bem conhecido. Se você fala que pertence a ele, faz diferença”, admite. O Horizonte é um estudo de coorte (em que um um grupo é acompanhado com regularidade por determinado período), em atividade há nove anos. O projeto foi estabelecido a partir do interesse do Ministério da Saúde em ter, em alguns Estados, referências para o desenvolvimento de testes de vacinas anti-Aids. Na época, Rio de Janeiro e São Paulo também iniciaram o mesmo tipo de estudo.

Financiado pelo Ministério da Saúde e pela Unesco, o Horizonte é vinculado ao Serviço de Doenças Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina. Segundo o coordenador-geral, professor e médico infectologista Dirceu Greco, o Centro Nacional de Vacinas Anti-HIV de Minas Gerais será, pela segunda vez, responsável pela aplicação de um novo teste de vacina, que deverá se iniciar este ano. A primeira vez foi em meados dos anos 90.

Programa educativo

Mas as vacinas são apenas um dos objetivos do Horizonte. O projeto realiza um amplo programa educativo junto aos homossexuais por ele assistidos.

Criado há dez anos, o Horizonte já conseguiu provar que a prevenção qualificada, que vai além de campanhas sobre o uso da camisinha, tem um significativo reflexo no controle do vírus HIV.

Com o acompanhamento do grupo específico, no caso homossexuais e bissexuais soronegativos, acima de 18 anos e residentes na Região Metropolitana de Belo Horizonte, o projeto consegue, ao mesmo tempo, ajudá-los no processo de conscientização sobre os riscos de contaminação e medir o impacto das ações educativas na propagação do HIV.

“Não estamos preocupados apenas em selecionar pessoas para futuros testes de vacinas”, avisa a socióloga Marília Greco, destacando que a intenção do projeto é fomentar um processo de prevenção que tem como filosofia a troca de conhecimento, o respeito e o amadurecimento das questões que estão no entorno da Aids, como a sexualidade e a afetividade.

“Só a partir da conscientização, do conhecimento pessoal e da completa noção sobre todas as nuanças que envolvem a Aids, e que as pessoas estarão realmente preparadas para decidir se participam, ou não, em testes de vacinas”, assinala a socióloga, que pertence à equipe psicossocial do Horizonte. “Eticamente, não poderíamos trabalhar de outra forma, porque essa é a diferença entre uma cobaia e um voluntário”, insiste.

Resultados

“Observamos que o impacto do trabalho preventivo e o acompanhamento sistemático dos voluntários foram os principais responsáveis pela baixa incidência da infecção pelo HIV no grupo”, afirma Marília. Levantamentos realizados em 2003 mostraram que a infecção pelo HIV, na população estudada, chegou a 1,96/100 pessoas/ano e que as práticas de prevenção foram reforçadas ao longo da permanência do grupo no Horizonte. “Há tendência de aumento do uso do preservativo com os parceiros ocasionais, tanto no sexo anal ativo quanto no sexo anal passivo”, diz Marília Greco, ao analisar pesquisa de 2001. Ela identificou que 41,4% do grupo acompanhado usava o preservativo quando entrou para o projeto e que, dois anos depois, este índice elevou-se para 65,7%.

Entretanto, a pesquisadora destaca que, apesar do aconselhamento e do índice relativamente elevado de relações protegidas, esses números, associados a outros, não camuflam a realidade de que os voluntários não mantêm práticas seguras de forma consistente. “Mesmo com toda a informação, aconselhamento e fóruns de discussão, ainda há recorrência a situações de risco”, analisa a socióloga, para quem o Horizonte evidenciou que as práticas de risco estão ligadas a fatores subjetivos. Daí, a necessidade do trabalho contínuo de educação voltada para a prevenção.

Todo o desenvolvimento do projeto está amparado na garantia de que os participantes terão direito absoluto ao sigilo dos dados repassados por eles à equipe técnica. “O sigilo é imprescindível. Trabalhamos com muitas pessoas que, às vezes, chegam com grandes preconceitos contra eles próprios”, lembra a socióloga.

Consentimento

O convidado a voluntário do Horizonte inicia sua participação depois de passar por um processo detalhado de informação sobre o que é o estudo de coorte e quais seus objetivos. Depois da assinatura do “termo de consentimento livre e esclarecido” e da coleta de material para exames, que indicarão se o voluntário se enquadra nos critérios (especialmente não ser infectado pelo HIV), ele responde a um longo questionário – com 96 perguntas abertas e fechadas – sobre seu comportamento sexual. A cada seis meses, esse questionário é repetido, pois ele permite a análise dos resultados obtidos pelo projeto e, conseqüentemente, a sua avaliação.

O trabalho de prevenção e conscientização é realizado com a presença dos participantes em atividades promovidas regularmente pelo Horizonte (como sessões de cinema seguidas de debate) e, também, com ações de divulgação. Eustáquio Santos, por exemplo, faz parte do grupo de comunicação do projeto e colabora com a distribuição de folhetos sobre a Aids em saunas, boates, bares e restaurantes freqüentados por homossexuais. “As reuniões se tornaram muito importantes para mim. No Horizonte, você participa sem rótulos e forma um grupo de amizade”, diz ele, que não se opôs a ser identificado pela reportagem.

Há cinco anos no projeto, Eustáquio ainda não se sente seguro sobre ser voluntário em testes com vacinas. “Mas sei que só aqui poderei ter certeza sobre se gostaria, ou não. Nem tudo está muito claro para mim e, por isso, se fosse para decidir agora, eu não seria voluntário para os testes com vacina”, assinala Eustáquio.

O Centro Nacional de Vacinas Anti-HIV realizou, em meados dos anos 90, um ensaio clínico (de fase I) com vacina candidata, de origem norte-americana. Agora, novos testes serão iniciados com uma vacina desenvolvida na França, mas produzida nos Estados Unidos. É uma vacina (terapêutica) que será aplicada em 28 pessoas (que não pertencem ao estudo de coorte) infectadas. Nesse caso, o Centro Nacional de Vacinas Anti-HIV discutirá os métodos de recrutamento e acompanhamento de voluntários com Organizações Não-Governamentais (Ongs) que trabalham com os pacientes.

“Esse é mais um crivo para a aplicação dos testes”, assinala Dirceu Greco, lembrando que os testes são aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG, pelo Comitê Nacional de Ética em Pesquisa e pelo organismo similar nos Estados Unidos, país onde a vacina foi desenvolvida.