Revista da Universidade Federal de Minas Gerais
Ano 2 - nº 4 - Maio 2004

Editorial

Entrevista - Axel Kahn

Aliado da ciência
Uma instância para a crítica do conhecimento

A biotecnologia na área da saúde - Joaquim Antônio César Mota

Saúde
Esperança no horizonte

Sociedade
Sob os olhares de Hubble

Ciência e ética: um pacto fadado ao fracasso? - Ricardo Fenati

Violência & criminalidade
Em busca de uma ação solidária

Clonagem: limites e possibilidades -
Sérgio D. J. Pena

Entre a prudência e o sonho - Telma Birchal

Teatro
Arte que liberta

A ética nos mass media - Rodrigo Duarte

Ambiente
Vida longa, Mata Altântica

O meio ambiente como bem comum - Rogério Parentoni e Francisco A. Coutinho

Comunidade
Um por todos, todos por um

Comportamento
Gerações em conflito

Qualidade de vida
Luta pelo bem-viver

Rede digital
Solidariedade em cadeia

A mídia e a Medusa: as imagens televisivas e a ética - César Guimarães

UFMG Diversa Expediente

Outras edições

Rede digital

Solidariedade em cadeia

Experiência coordenada pelo Centro Cultural quer estimular e disseminar iniciativas comunitárias em Minas Gerais

A proposta de construção de uma sociedade solidária, mediante ações culturais balizadas pela ética, é o que orienta as ações do Centro Cultural da UFMG, um espaço revitalizado no coração da Capital mineira, que abriga o encontro e o debate entre as mais diferentes populações da cidade. É também nesse espaço que vem sendo articulada a Rede de Letramento Digital e Comunicação, a Rede.lê, projeto interdisciplinar que pretende disseminar e unir experiências solidárias nas comunidades, por meio do uso de tecnologias avançadas e metodologias de participação.

A Rede.lê está sendo formada a partir da instalação de antenas de acesso à Internet, via satélite, em 18 pontos distintos, em Belo Horizonte e em outras cidades, onde funcionarão telecentros. A aquisição das antenas, por intermédio do projeto Governo Eletrônico - Serviço de Atendimento ao Cidadão (Gesac), do Ministério das Comunicações, foi o ponto de partida para deslanchar uma idéia que inquietava, há muito tempo, a diretora do Centro Cultural, a historiadora Regina Helena Alves da Silva.

Seu desejo era fortalecer as atividades que estivessem sintonizadas com o vertiginoso desenvolvimento das mídias eletrônicas, contribundo, assim, para a democratização da informação. O Centro Cultural já caminhava nessa direção, graças ao Laboratório de Hipermídia, instalado em 2002 e dotado de computadores e equipamentos digitais, e à parceria com os projetos Rede Jovem de Cidadania, liderado pela organização não-governamental Associação Imagem Comunitária, e Agentes Culturais Juvenis, do Observatório da Juventude da Faculdade de Educação.

Mas as antenas abriram novos horizontes para a inclusão digital. Elas criaram a possibilidade de inserção integral da UFMG no debate que envolve a formação de redes solidárias, ação que visa à transformação das comunidades, numa perspectiva de grande cooperação entre seus mais diferentes agentes, de livre informação e de conquista de maior poder para os movimentos sociais. As redes ajudam a democratizar a vida em sociedade, contribuindo para que as relações horizontais, não-hierarquizadas, exerçam papel preponderante. “Por isso, a criação da Rede.lê significa muito mais que inclusão digital, mas, principalmente, uma chance de inclusão social”, afirma Regina Helena.

Teia social

“O importante são as redes sociais que vão se formando em torno da rede de letramento”, avalia a historiadora. A teia será estimulada pelos telecentros montados com o apoio do Centro Cultural, mas eles serão autônomos. O papel da UFMG será o de ajudar na criação das condições para que os telecentros tenham um perfil que vá além do acesso à Internet. “Para nós, a tecnologia não é o fim, mas o meio. Seria até ridículo a Universidade se ocupar apenas com a Internet”, ressalta a diretora do Centro Cultural.

A base tecnológica da Rede.lê será dada pelo Laboratório de Software Livre, do Departamento de Ciência da Computação, pois a plataforma computacional de toda a rede será de softwares livres – aqueles que possibilitam inteira liberdade ao usuário na execução dos programas, inclusive de modificação, de aperfeiçoamento, de cópia e de distribuição gratuita ou em troca de alguma gratificação. O uso de softwares livres, além de não onerar a rede, oferece a liberdade de criação necessária a um projeto em que as demandas dos telecentros serão provavelmente bastante diferentes. O professor Wagner Meira Júnior, coordenador do Laboratório, informa que sua equipe já elaborou uma primeira versão do software a ser utilizado na Rede.lê, mas algumas particularidades, por causa do acesso via satélite, ainda estão sendo estudadas. “Vamos incluir vários aplicativos específicos para a rede, como os de áudio, imagem, vídeo e publicação web”, observa.

Dos 18 telecentros previstos, nove estão sendo montados em escolas da Rede Municipal de Belo Horizonte. Eles serão equipados com computadores – um servidor e dez máquinas – custeados pela prefeitura. Na Capital, também serão instaladas antenas no Centro Cultural, na sede da Associação Imagem Comunitária, no Centro Cultural Tambolelê e no Aglomerado da Serra. Os outros nove funcionarão em Diamantina (Associação Pão de Santo Antônio), na Serra do Cipó (Escola Estadual Dona Francisca Josina), em Montes Claros (Núcleo de Ciências Agrárias da UFMG) e em duas escolas estaduais indígenas em São João das Missões. Nesses lugares, a aquisição dos equipamentos ainda está sendo negociada.

Tatiana Oyagawa Magalhães

Aperitivo

No telecentro que será instalado no distrito de Santana do Riacho, na Serra do Cipó, a Rede.lê representou o prenúncio de uma avalanche de iniciativas, muitas delas impulsionadas pelo Projeto Manuelzão, também da UFMG, que trabalha com ações de revitalização da bacia do Rio das Velhas – o Rio Cipó, o único afluente do Rio das Velhas que não precisa de recuperação, servirá de base para repovoar de peixes a bacia.

Antes mesmo da instalação da antena na Escola Estadual Dona Francisca Josina, a comunidade do Cipó promoveu uma série de discussões. “A chegada da antena e dos computadores será o suporte que faltava para concretização de muitas idéias, como a criação da quarta série do ensino médio voltada para o turismo”, informa a professora Beatriz Bretas, do curso de pós-graduação em Comunicação da Fafich, voluntária da Rede. Lê na Serra do Cipó, onde tem residência.

Segundo ela, a proposta mobilizou toda a comunidade – de educadores a comerciantes e agentes públicos. “A rede está formada, independentemente da instalação da antena”, assinala. Para a estruturação da Rede.lê na localidade, os envolvidos enviaram um projeto, com pedido de recursos, ao Fundo Nacional do Meio Ambiente.

Convergência cósmica

Na prática, a Associação Imagem Comunitária e o Observatório da Juventude, por meio dos projetos Rede Jovem de Cidadania e Agentes Culturais Juvenis, são os responsáveis pela implantação dos programas direcionados à formação da Rede.lê. Financiada pela Petrobrás, a Associação Imagem Comunitária organizou, em 2002, a Rede Jovem Cidadania como fruto da mobilização de jovens ligados a movimentos sociais e culturais de nove regiões de Belo Horizonte.

“Para nós, a comunicação deve ser compreendida pela via da sensibilização e da mobilização”, diz a jornalista Rafaela Lima, coordenadora da Associação Imagem Comunitária. “Costumo dizer que a parceria com o Centro Cultural é uma convergência cósmica”, brinca ela, ao ressaltar a união de esforços e de ideais das duas entidades.

Na Rede Jovem Cidadania, os jovens trabalham na criação e na produção de uma rede de comunicação, com diferentes mídias – programas de TV e rádio, e-zine, site, um jornal distribuído nas escolas públicas e uma agência de notícias –, que dão visibilidade às várias ações relacionados ao universo juvenil. Essa rede é alimentada por seis correspondentes que trabalham nos núcleos integrados, também, por participantes do projeto Agentes Culturais Juvenis.

Durante o ano passado, 38 jovens de periferia freqüentaram, no Centro Cultural, cursos que lhe deram a base de conhecimento necessária para articular, incentivar e formular iniciativas culturais nas comunidades onde vivem. “A Rede.lê será o desaguadouro do Agentes Culturais Juvenis, porque os meninos terão uma perspectiva de trabalho bem direcionada”, prevê o professor Juarez Dayrell, um dos coordenadores do Observatório da Juventude.

Nos 12 telecentros instalados em Belo Horizonte, atuarão cem monitores, membros do Agentes Culturais Juvenis e da Rede Jovem Cidadania. Eles serão referência para a Rede.lê nas escolas e multiplicadores das ações culturais. “Não definimos nada do que vai acontecer em cada telecentro, porque os envolvidos é que dirão o que querem. Mas a gente espera que estoure muita coisa diferente”, assinala Rafaela Lima. “Acreditamos que haverá um intercâmbio grande entre os projetos em andamento e os que vão surgir. Além disso, a rede ampliará a interação das regiões e esperamos que seja, também, um motivo de revitalização das escolas”, reafirma Dayrell.

A Associação Imagem Comunitária iniciou o trabalho de mobilização para a Rede.lê aplicando, nas escolas, oficinas voltadas para professores e alunos. Nessas oficinas são produzidos diagnósticos do cenário cultural e de comunicação nas comunidades.