Revista da Universidade
Federal de Minas Gerais
Ano 2 - nº 4 - Maio 2004
A Mata Atlântica é considerada um dos biomas mais ameaçados do mundo. Não é para menos, pois da cobertura vegetal primitiva, de 1,3 milhão de quilômetros quadrados, restaram apenas 7,3%. Nem mesmo essa realidade garante proteção integral às áreas remanescentes, que continuam sofrendo pressões que põem em risco sua sobrevivência.
Na contramão dessa tendência, entretanto, cientistas da UFMG e de outras instituições se uniram num programa de estudos de diferentes biomas, entre eles o de Mata Atlântica, que apontam para a possibilidade de, mais bem conhecidos, oferecerem soluções para sua preservação. Esses trabalhos têm em comum, além do escopo ambiental, o fato de constituírem pesquisas de longo prazo.
O Programa Brasileiro de Pesquisas Ecológicas de Longa Duração (Peld) é resultado de uma estratégia traçada por pesquisadores, reunidos no Fórum de Estudos em Ecologia, para incentivar estudos na área. Ele é financiado pelo CNPq e tem como horizonte o ano de 2008. Atualmente, compõem o Peld 12 pesquisas, que abrangem importantes ecossistemas de norte a sul do país.
O professor Francisco Barbosa, do departamento de Biologia Geral do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) acredita que o Peld se estenderá por muito mais tempo, pois as pesquisas se avolumam e firmam parcerias que vão ampliando os objetivos.
Vlad Eugen Poenaru |
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A coluna vertebral do Peld é formada por cinco temas, que servem de fio condutor para os estudos e são capazes de atrair a maioria dos pesquisadores em ecologia: padrões de produtividade primária e secundária; conservação da biodiversidade; dinâmica/fluxos de nutrientes; dinâmica e organização de comunidades e ecossistemas; efeitos de perturbações naturais e impactos de atividades antrópicas. Além de produzir pesquisas, o Peld organiza bancos de dados sobre os assuntos tratados.
“Foi a primeira vez que pensamos a longo prazo e isso é da maior importância para as pesquisas ecológicas no Brasil”, atesta Barbosa, um dos idealizadores do Peld e coordenador do estudo que se desenvolve na UFMG, Mata Atlântica e Sistema Lacustre do Médio Rio Doce. O trabalho é uma detalhada radiografia do Parque Estadual do Rio Doce, cujos 360 quilômetros quadrados concentram a mais importante reserva de Mata Atlântica em Minas Gerais.
A Mata Atlântica é, disparado, o bioma brasileiro que mais sofreu os efeitos dos ciclos econômicos – desde o do ouro ao da celulose – e do crescimento desordenado dos centros urbanos. Em áreas antigas de Mata Atlântica, estão mais de três mil dos 5.507 municípios brasileiros, entre eles as três principais capitais do país.
“Apesar de toda a destruição”, diz Barbosa, “a região onde está o Parque Estadual do Rio Doce apresenta boas condições de conservação, que podem ser mantidas, desde que sejam seguidas de estratégias de recuperação e de manejo da área em sua volta”. No Vale do Médio Rio Doce, estão 60% da biodiversidade própria da Mata Atlântica, retratada pela presença, por exemplo, de sete espécies de primatas e raras populações de onças-pintadas.
Os resultados extraídos dessa pesquisa servirão de referência para a compreensão do que acontece em outras áreas de Mata Atlântica. Para Francisco Barbosa, o Peld é um salto em número e em qualidade nas pesquisas ecológicas no país. “A comunidade científica brasileira que se dedica à ecologia nunca havia sido envolvida em um esforço conjunto do gênero”, salienta.
A importância dos estudos, entretanto, não se limita à comunidade científica. Uma das preocupações da pesquisa coordenada pela UFMG é a de repassar o conhecimento adquirido às comunidades diretamente interessadas – no caso as populações que vivem no entorno do Parque Estadual do Vale do Rio Doce, que compreende os municípios de Marliéria, Dionísio e Timóteo. Essa é a forma, acredita Barbosa, de garantir a preservação da área e de reverter processos que levam à degradação de todo o ambiente.
“Não faz sentido mantermos o Parque isolado. É preciso que o conhecimento que produzimos sirva ao cidadão comum, porque a ciência não pode ser simplesmente um exercício mental, ela tem que contribuir para a vida das pessoas”, salienta Barbosa, destacando que o programa de pesquisa inclui estratégias dirigidas para uma mudança de comportamento e do ambiente externo ao Parque. “Como posso me preocupar em manter a biodiversidade do local, se quem está lá perto não entende a importância disso?”, indaga.
Nessa linha, a primeira opção do Peld em Minas Gerais foi capacitar professores do ensino fundamental. Essa parte do projeto, intitulada Educar para uma ação ambiental, trabalha com cursos de orientação e de conscientização de professores – em última instância, de alunos – sobre o quanto é fundamental conservar aquela área remanescente de Mata Atlântica, discutindo problemas como o da água, do lixo, da erosão, do desmatamento etc.
Barbosa lembra que, ao visitar uma das escolas onde seria realizado um curso, estranhou as pinturas de elefantes, baleias e tigres que enfeitavam o muro. “Os desenhos mostravam como eles desconheciam o que tinham ao lado deles. Tive a absoluta certeza da necessidade de nossa presença ali, ajudando a mudar atitudes”, enfatiza.
Em quatro municípios – Timóteo, Coronel Fabriciano, Ipatinga e Jaguaraçu –, 152 escolas já foram atendidas pelo programa, o que compreendeu a formação de 356 professores e o reflexo em mais de 17 mil estudantes. Os cursos, explica a professora Paulina Maia, também do ICB, são oferecidos durante três dias e contemplam temas selecionados pelos próprios professores numa consulta prévia, feita por meio de questionários. O material didático, que incluiu duas cartilhas, foi desenvolvido pela equipe de pesquisadores. Neste primeiro de 2004, acontecerão mais dois cursos, nas cidades de Marliéria e Antônio Dias.
Segundo Paulina, coordenadora do Educar para uma ação ambiental estão previstos quatro cursos por ano. A idéia é fortalecer a noção de que a natureza pertence à comunidade e, portanto, esta tem poder para atuar em favor da preservação. “Estamos tentando municipalizar os cursos”, conta Barbosa, explicando que essa seria uma forma de comprometimento dos agentes públicos com o projeto.
Além do programa de educação, a pesquisa Mata Atlântica e Sistema Lacustre do Médio Rio Doce compreende outras cinco linhas de estudos, que se complementam e cujas investigações já produziram resultados. Em relação à diversidade genética, os pesquisadores conseguiram identificar que, entre algumas espécies presentes no Parque Estadual do Rio Doce, está havendo troca genética, essencial para a manutenção da biodiversidade, mas, em outras, isso não ocorre ou acontece com menos intensidade. “É preciso conhecer como essas trocas ocorrem”, explica.
Nessa mesma linha, foi caracterizada a diversidade de espécies de algas nos lagos e nos rios, em áreas naturais, dentro do Parque, e em áreas impactadas, fora do Parque. Foram identificadas 103 espécies de algas nos rios e 274 nos lagos. A qualidade física e química das águas do Parque e fora dele também foi pesquisada, confirmando que, no interior da área preservada, não existe poluição das águas, mas fora dela, sim, embora em graus variáveis de poluição. A pesquisa vai propor um índice para avaliar a qualidade das águas investigadas.