Revista da Universidade Federal de Minas Gerais
Ano 2 - nº 4 - Maio 2004

Editorial

Entrevista - Axel Kahn

Aliado da ciência
Uma instância para a crítica do conhecimento

A biotecnologia na área da saúde - Joaquim Antônio César Mota

Saúde
Esperança no horizonte

Sociedade
Sob os olhares de Hubble

Ciência e ética: um pacto fadado ao fracasso? - Ricardo Fenati

Violência & criminalidade
Em busca de uma ação solidária

Clonagem: limites e possibilidades -
Sérgio D. J. Pena

Entre a prudência e o sonho - Telma Birchal

Teatro
Arte que liberta

A ética nos mass media - Rodrigo Duarte

Ambiente
Vida longa, Mata Altântica

O meio ambiente como bem comum - Rogério Parentoni e Francisco A. Coutinho

Comunidade
Um por todos, todos por um

Comportamento
Gerações em conflito

Qualidade de vida
Luta pelo bem-viver

Rede digital
Solidariedade em cadeia

A mídia e a Medusa: as imagens televisivas e a ética - César Guimarães

UFMG Diversa Expediente

Outras edições

Comunidade

Um por todos, todos por um

Experiência do Pólo do Jequitinhonha confirma que o desenvolvimento de regiões carentes só é possível mediante ações coletivas

As comunidades do Vale do Jequitinhonha mineiro – uma das regiões mais pobres do mundo – já descobriram que devem mover-se na busca de suas aspirações comuns inspiradas e conduzidas pelo interesse coletivo. Não por outra razão que a afirmação de ações solidárias, construídas de baixo para cima, estão no centro das preocupações de um grupo de cerca de 50 professores e alunos envolvidos em um dos maiores projetos interdisciplinares da UFMG: o Programa Pólo de Integração no Vale do Jequitinhonha.

Jaider Laerdson

Decisões sobre o que e como produzir, sobre as políticas públicas prioritárias na região e até sobre as atividades culturais e de lazer devem refletir os efeitos dessa solidariedade. Assim, o programa orienta-se pelos novos paradigmas do desenvolvimento econômico e social que privilegiam uma forte articulação entre a comunidade e os mais diferentes agentes locais de desenvolvimento.

A Pró-Reitora Adjunta de Extensão e coordenadora do Pólo Jequitinhonha, Maria das Dores Pimentel Nogueira, a Marizinha, está convencida de que toda estratégia de desenvolvimento precisa levar em conta a realidade local, as necessidades e os anseios das comunidades. “São eles que moram ali. Eles é que sabem do que precisam e o que têm capacidade para fazer”, alerta.

Foi com base nessa convicção que nasceu o Pólo Jequitinhonha, uma ambiciosa investida na produção e difusão de conhecimento que se apóia na articulação de vários agentes atuando em prol de uma nova proposta de desenvolvimento econômico e social, capaz de superar a fome e a miséria presentes na região. O Pólo do Jequitinhonha é constituído por vários projetos, coordenados por diferentes áreas da UFMG, todas trabalhando na busca de soluções conjuntas para os problemas dos 52 municípios que integram as microrregiões do Alto, Médio e Baixo Jequitinhonha. O programa atua em cinco áreas distintas: desenvolvimento regional e geração de ocupação de mão-de-obra e renda, bem como educação, saúde, meio ambiente e cultura.

Para o coordenador-executivo do Pólo Jequitinhonha, o demógrafo e professor do Cedeplar, Roberto Nascimento, a Universidade pode ter papel decisivo no desenvolvimento socioeconômico de uma região, implementando projetos de desenvolvimento científico, tecnológico, gerencial e cultural que proporcionem formação e qualificação de mão-de-obra, além de promoverem a cidadania e a consciência de liberdade – “aspectos centrais de um efetivo processo de desenvolvimento humano”.

Solidariedade e articulação

Entre um município e outro, os problemas não são muito diferentes, por força das características próprias que desenham um mapa de pobreza e escassez de recursos na região. Os produtores de batata no município de Itinga, os de abacaxi em Turmalina, os artesãos que se espalham por todo o vale, os moveleiros que trabalham com madeira de eucalipto, os criadores de cabras de Ponto dos Volantes ou os de coelho de Jenipapo de Minas são como peças de um mesmo quebra-cabeça.

A solução para a melhoria de suas condições de trabalho e para o desenvolvimento dessas atividades econômicas está em encontrar saídas que articulem estocagem, beneficiamento e venda – características da economia de mercado que estão longe da realidade do distante e esquecido Vale do Jequitinhonha.

Na pequena Ponto dos Volantes, município do Médio Jequitinhonha, projeto vinculado ao Pólo está introduzindo a criação de cabras como alternativa de geração de renda e fonte de complementação alimentar para a população – lá e em outros sete municípios os pesquisadores constataram elevados níveis de subnutrição, o que tornou indispensável a introdução de proteína animal na dieta alimentar daquelas pessoas. As cabras são usadas para a produção de leite e de carne. Com recursos de R$ 30 mil liberados pelo Banco Real, foram comprados mais de cem animais, distribuídos em dez lotes para grupos de duas ou três famílias.

O Secretário de Agricultura de Porto dos Volantes, Lídio Gonçalves, conta que as carnes de coelho e de cabra passaram a fazer parte do cardápio da região, inclusive na merenda escolar. “Nossa idéia é criar na região, com a ajuda da UFMG, uma fazenda-modelo para capacitar nossa gente na criação e no aproveitamento da carne e da pele dos animais”, adianta Gonçalves.

A ordem é qualificar

O Pólo Jequitinhonha tem investido na qualificação dos agentes públicos, capacitando-os para a elaboração de projetos consistentes, capazes de disputar recursos públicos e privados. Segundo Roberto Nascimento, um dos pontos de estrangulamento do programa está na deficiência dos recursos humanos. Ele destaca que muitos ocupantes de cargos públicos precisam de ajuda para o planejamento de políticas de enfrentamento dos problemas regionais, o que inclui a conquista de recursos que, historicamente, passaram longe do Vale: porque eles são mal aplicados ou porque os agentes locais sequer ficam sabendo da sua existência.

A Lei de Responsabilidade Fiscal, por exemplo, foi o tema de cursos dirigidos a prefeitos, secretários de Administração e de Planejamento. Secretários de Saúde de 24 municípios do Médio e Alto Jequitinhonha participaram, também, de um treinamento, que resultou na elaboração de um plano municipal para a área, em parceria com os consórcios municipais de Saúde e as Diretorias Regionais de Saúde.

Na área da Educação, os secretários municipais foram qualificados para a apresentação de projetos ao Ministério da Educação e participaram de reflexões sobre os problemas educacionais do Vale. Outro curso foi direcionado aos secretários de Assistência Social e os orientou sobre a importância da implementação de conselhos setoriais para a formulação de políticas sociais.

Mas não foram somente os agentes públicos que passaram por processos de capacitação na primeira fase do Pólo Jequitinhonha. Trabalhadores vinculados a associações comunitárias e sindicatos foram beneficiados por treinamentos diversos, como o curso de designer de móveis oferecido aos integrantes da Associação da Indústria Moveleira de Eucalipto de Turmalina. “É preciso recorrer às riquezas culturais do Vale para qualificar os trabalhadores. Assim, eles poderão refletir os traços da identidade local no design dos produtos”, avalia Roberto Nascimento.

Outro estudo em andamento prevê a elaboração de projeto de captação de recursos para criação de sistemas de armazenagem e beneficiamento do abacaxi, produzido em larga escala na região, com qualidade, inclusive, para exportação. Por falta de condições de estocagem, no entanto, a fruta não é acessível nem mesmo às populações locais. O abacaxi plantado no Vale cumpre um ciclo vicioso. “O Vale planta o abacaxi, vende a produção para a Ceasa e, depois, o compra de volta para o consumo interno”, conta Nascimento.

O artesanato do Jequitinhonha, famoso mundialmente, também enfrenta problemas parecidos. As peças utilizam matéria-prima abundante na região, o barro vermelho, mas a venda dos produtos pouco contribui para a melhoria da qualidade de vida das populações locais, lembra o professor. “Falta aos artesãos uma central de exposição e comercialização em rede, o que os obriga a negociar separadamente e a praticar preços muito baixos”.