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Uso de fluoxetina minimiza perda de memória causada por depressão

Estudo de professores do ICB demonstra que antidepressivo atua no bulbo olfativo; experimentos indicam diferenças entre déficit de memória em fêmeas e machos isolados

Grace Schenatto: formação de novos neurônios está associada aos efeitos da fluoxetina. Foto: Foca Lisboa / UFMG

A solidão prolongada, ainda que adotada de maneira consciente e proposital, pode gerar impactos negativos na saúde física e mental dos seres humanos. Depressão provocada pelo isolamento chega até mesmo a causar quadros de perda de memória. Em estudo desenvolvido para aumentar a compreensão desse mecanismo, que se diferencia de outras situações envolvendo déficits de memória, pesquisadores da UFMG descobriram que o antidepressivo fluoxetina atua positivamente sobre a depressão de animais isolados socialmente por meio do aumento da neurogênese no bulbo olfatório. A pesquisa também detectou diferenças na perda de memória entre fêmeas e machos.

Lembrança prejudicada, memória exacerbada por conteúdo negativo ou enfraquecimento das memórias positivas são bem descritos na literatura especializada como possibilidades de manifestação da depressão associada à ruptura da memória episódica. No entanto, os mecanismos de perturbação da memória na depressão ainda são pouco compreendidos, gerando a abertura inicial para a pesquisa.

“A depressão é uma doença de etiologia heterogênea. Quanto mais modelos animais existirem, melhor compreenderemos as particularidades dos diferentes quadros e sintomas de depressão, favorecendo o desenvolvimento de tratamentos específicos”, salienta a professora do ICB Grace Schenatto Pereira Moraes, uma das pesquisadoras envolvidas no projeto. Os resultados do estudo estão descritos em artigo publicado, na semana passada, na Translational Psychiatry, revista médica vinculada à Nature.

O experimento

Apesar de comumente associada à experiência humana, a solidão objetiva pode ser induzida em animais de laboratório, privando-os do contato físico com indivíduos específicos. Roedores, por exemplo, tendem a desenvolver sofrimento emocional e comprometimento cognitivo. Para o estudo, uma criação de camundongos foi posta em isolamento social durante sete dias, distribuídos em ambientes com condições diversas.

Foram utilizados 164 espécimes adultos (8-12 semanas de idade) e 36 juvenis (21-35 dias de idade), que passaram por série de análises comportamentais, morfológicas e neuroquímicas. Os resultados mostraram que camundongos em isolamento social exibem estado depressivo que pode ser evitado quando estão inseridos em ambiente enriquecido, ou seja, que passou pela adição de fitas, pedaços de plástico, rolos de papelão e brinquedos na gaiola.

O quadro dos animais também melhora com o uso dos antidepressivos fluoxetina e desipramina. O primeiro, em especial, foi capaz de neutralizar o efeito deletério da solidão na memória social, aquela associada ao reconhecimento dos semelhantes. “O mecanismo pelo qual atuam a fluoxetina e a desipramina, dois antidepressivos amplamente usados na clínica, não é o mesmo. Para alguns casos de depressão em que são detectados déficit de memória, seria mais interessante usar fluoxetina e não desipramina. Além disso, nossos achados reforçam a hipótese de que a formação de novos neurônios está associada aos efeitos da fluoxetina”, afirma Grace Schenatto.

Para chegar à segunda conclusão, foram analisadas a proliferação celular, a neurogênese e a astrogênese após o tratamento com antidepressivos. As análises indicam que a fluoxetina age via mecanismo dependente de neurogênese para melhorar a memória dos animais. E o bulbo olfativo, área olfatória primária do cérebro, apareceu como nicho com maior aumento na neurogênese após o tratamento com fluoxetina.

“Esperávamos que o efeito da fluoxetina fosse mais expressivo no hipocampo, uma região do cérebro importante para memória. Entretanto, o bulbo olfatório foi a área mais sensível. Isso é muito interessante porque, para a ecologia do roedor, o bulbo olfatório é fundamental em sua relação com o meio que o cerca e com outros camundongos”, explica a professora da UFMG.

Segundo a pesquisadora, o olfato é a principal modalidade sensorial em camundongos. Assim, os resultados sugerem que áreas do cérebro que processam estímulos sociais são as mais sensíveis à fluoxetina e a seus efeitos sobre a neurogênese.

Conservação da memória em fêmeas

Evidências anteriores aos testes sugeriam que a solidão afeta homens e mulheres de forma diferenciada. Portanto, antes de avaliar o mecanismo do déficit de memória social, foram realizados experimentos com camundongos machos e fêmeas. Com efeito, quando tomados em conjunto, os resultados mostraram que uma semana de isolamento não afetou a memória social em fêmeas, apesar de haver induzido o comportamento depressivo conforme o esperado.

“Foi muito interessante. Em humanos, as mulheres são particularmente mais afetadas pela depressão. Nos animais, esperávamos que o isolamento social aumentasse comportamentos depressivos, mas não esperávamos que a memória fosse resistente ao isolamento social”, destaca Grace.

Para cumprir o objetivo inicial de investigar o mecanismo neural comum entre déficit de memória e comportamento depressivo no contexto de isolamento, os experimentos seguintes foram limitados aos machos, mas os resultados sobre a diferença de gênero já inspiram reflexões para novos estudos. Segundo Grace, a preservação da memória de fêmeas em alguns modelos de indução de déficit não é tão incomum, enquanto o mesmo modelo prejudica a memória em machos. Com base em pesquisas anteriores do próprio grupo da UFMG, é possível desdobrar essa linha de análise.

“Nosso grupo já publicou artigos mostrando que um prejuízo no sistema colinérgico, que produz o neurotransmissor acetilcolina (importante para várias alterações plásticas inerentes ao processo e armazenamento de memórias), prejudicou a memória de machos, mas não de fêmeas. Além disso, vimos que esse tipo de proteção nas fêmeas era dependente dos hormônios ovariano. Assim, um possível desdobramento desse resultado seria verificar a participação do estradiol e da progesterona na resistência que a memória das fêmeas apresentou frente ao isolamento social”, projeta Grace Schenatto.

Seres sociáveis

O grupo do ICB vem-se dedicando nos últimos anos a estudar, em animais, quadros de depressão, ansiedade e déficits de memória, particularmente a chamada memória social, de reconhecimento dos semelhantes. “A exemplo dos humanos, camundongos são seres sociáveis, que precisam do convívio para ter saúde mental e um estado emocional adequado”, explica Grace Schenatto. Em 2017, o grupo do qual participa apresentou o estudo Solidão não é uma boa companhia na mostra Inova Minas, promovida pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig). O projeto foi tema de matéria publicada no Boletim UFMG, em outubro daquele ano.

Artigo: Pro-neurogenic effect of fluoxetine in the olfactory bulb is concomitant to improvements in social memory and depressive-like behavior of socially isolated mice
Autores: Leonardo O. Guarnieri, Ana Raquel Pereira-Caixeta, Daniel C. Medeiros, Nayara S. S. Aquino, Raphael E. Szawka, Eduardo M. A. M. Mendes, Márcio F. D. Moraes e Grace S. Pereira
Data de publicação: 27 de janeiro de 2020
Revista: Translational Psychiatry

(Luíza França)