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Famílias e a experiência de distanciamento social

Annette Souza Silva Martins da Costa
“De que são feitos os dias?
_ De pequenos desejos,
vagarosas saudades,
silenciosas lembranças…” (Cecília Meireles)

Horários de lazer em quarentena. Foto: Teresa Sanches / UFMG

Uma pandemia tem na origem do conceito dimensões globais, mas nos afeta profundamente na dimensão micro, em âmbito individual e coletivo. O desamparo cotidiano a que estamos submetidos abalam modos de vida que, de uma forma ou de outra, já tinham sido estabelecidos e, com as famílias isto ganha contornos significativos na experiência de distanciamento social. Histórias já não podem ser compartilhadas face a face, memórias e costumes podem ficar esquecidos, talvez guardados para depois da quarentena. O afago, o cafuné, o beijo, o abraço, o conflito, a conversa, as desavenças, gestos, palavras e atitudes que movimentam e configuram dinâmicas familiares, agora assumem formas diferentes estando longe ou perto, morando debaixo do mesmo teto ou não.

Famílias comportam uma diversidade de experiências vividas e não há nelas características universais que as definam. São escolhas e recusas explícitas ou implícitas, afetos e espaços partilhados, uma relação com outros diferentes e que se aprende a cada dia.

Mas, e diante do distanciamento social em tempos de coronavírus? Em princípio, cabem as perguntas: distanciar-se do quê, de quem, para quê, e como. Afastar-se do trabalho, da escola, dos encontros sociais, das atividades culturais e religiosas. De amigos, de colegas de trabalho, de familiares, de pessoas conhecidas que encontramos ao longo do dia, de rostos e olhares que talvez nem conheçamos mas que por vezes nos dão um sorriso na rua. Para nos proteger e também proteger as outras pessoas da transmissão da covid-19. Diferentes formas de comunicação e de interação precisam ser então inventadas.

Uma pesquisa realizada pela Fiocruz em parceria com a UFMG e Unicamp analisou, por meio de um inquérito de saúde e com questionário virtual, as mudanças ocorridas na vida de brasileiros após a chegada do coronavírus no Brasil relacionadas ao isolamento social, incluindo a quarentena. Os resultados divulgados referem-se a dados coletados no período de 24 de abril a 8 de maio de 2020 e descrevem mudanças nos estilos de vida, nas atividades de rotina e de trabalho, na saúde e no estado de ânimo das pessoas durante a quarentena. Segundo a pesquisa, entre outros aspectos analisados, grande parte da população disse sentir-se “triste/deprimido” e “ansioso/nervoso”, sendo que nas mulheres esse percentual foi maior. Os resultados também mostram que a maioria da população ficou em casa, só saindo para ir ao supermercado e farmácia. E para a maior parte das pessoas houve diminuição da renda familiar no período de isolamento social (SZWACWALD, C.L.; MALTA, D.C.; BARROS, M.B.A., et al.).

A covid-19 e o distanciamento social configuram uma situação completamente nova em que as interações se intensificam, os afetos se desdobram em emoções contidas que podem vir a aflorar no convívio familiar. Ficar dentro da mesma casa por força do distanciamento social e a impossibilidade de sair, de ter outros encontros que não seja no ambiente doméstico, pode requerer também aproximações e trocas talvez nunca experimentadas. Outras conexões, até improváveis, podem fazer parte do dia-a-dia das famílias.

Texto de Annette Souza Silva Martins da Costa (doutora em Enfermagem e professora aposentada da Escola de Enfermagem da UFMG)

Referência

SZWACWALD, C.L.; MALTA, D.C.; BARROS, M.B.A., et al. ConVid Pesquisa de comportamentos.