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Sobre a saúde mental das pessoas em tempos de Pandemia

Imagem: Reprodução / NIAID-RML

“…Não precisam da solidão
Todo dia é dia de Viver…”
(Para Lennon e McCartiney – Fernando Brant,Marcio Borges, Lo Borges)

Há muito sabemos que situações de crise que alcançam grandes magnitudes tem grande impacto na saúde mental e no bem estar das pessoas (OMS, 2009). Diante da declaração feita pela Organização Mundial de Saúde de que vivemos uma pandemia do novo Coronavírus (n-COVID-19) e, consequentemente, do aparecimento dos primeiros casos confirmados, casos de transmissão comunitária e até mortes no Brasil, é preciso estarmos atentas(os) para as possíveis repercussões que esse fato tem e terá na nossa comunidade UFMG.

Nesse cenário, algumas considerações e recomendações são importantes, visando a situação como um todo, mas pensando especificamente, na saúde mental em nossa comunidade. As informações foram organizadas em três eixos: comunicação, acolhimento e direitos humanos. Para o momento, serão levantadas algumas questões sobre esses temas e periodicamente, outros temas serão tratados ou outras perspectivas desses mesmos temas serão abordadas de forma continuada, ao longo desse tempo em que as atividades presenciais na UFMG estão descontinuadas.

Comunicação

Diante da Pandemia, a OMS (2020a) publicou um guia com recomendações importantes. Embora essas recomendações não tenham objetivo específico de contribuir para a saúde mental das pessoas, podemos extrair delas algumas ideias interessantes. Um dos eixos dessas recomendações é a comunicação. Assim, afirma-se que “Uma das intervenções mais importantes e eficazes numa resposta de saúde pública a qualquer evento é comunicar proativamente o que é conhecido, o que é desconhecido e o que está sendo feito para obter mais informação, com o objetivo de salvar vidas e minimizar as consequências adversas” (OMS, 2020a: p.01).

Nesse sentido, como membros da Comissão Permanente de Saúde Mental, profissionais e trabalhadoras(es) envolvido nas atividades de Acolhimento e escuta e demais membros da comunidade UFMG, devemos prezar pela divulgação de informações de fonte fidedigna, orientar à comunidade a buscar informações no canal criado pela UFMG, contribuir para que se consolide um clima de segurança em relação ao conteúdo desse canal e às medidas progressivas que vem sendo tomadas na universidade. Não se trata de uma proposta de confiança cega a acrítica, mas de, em se tendo dúvidas e discordâncias em relação aos conteúdos ou medidas adotadas, buscar-se construir diálogo com aqueles que representam a universidade ou que estão nos postos e fóruns em que essas decisões são construídas. Isso porque, a multiplicação e divulgação de críticas que não buscam o diálogo pouco contribuem. Além disso, é importante contribuir no âmbito de nossas responsabilidades e possibilidades, para que notícias falsas não sejam veiculadas, assim como notícias provenientes de fontes alarmistas.

Ainda no âmbito da comunicação, sabe-se que todas e todos estamos lidando cotidianamente com um enorme número de informações, dados, comparações com a situação de outros países, dentre outros. Esse fato tem contribuído para que se crie uma situação de grande alarme. A OMS (2020b) alerta quanto a esse estado de infodemia, no qual, uma quantidade excessiva de informação sobre um problema acaba por dificultar a identificação de uma solução. Pode-se entender, no caso do bem estar e segurança das pessoas, que essa solução seja, por exemplo, uma tomada de decisão em relação aos comportamentos mais adequados nesse momento. Assim, optar por informações ou mesmo orientações para a comunidade com conteúdos explícitos e de fácil compreensão, embasados cientificamente, discutir abertamente sobre o que se sabe ou o que ainda não se sabe, é contribuir, dentre outros aspectos, para a saúde mental das pessoas.

Sabemos que pessoas que se percebem fragilizadas por sofrimento ou adoecimento psíquico, poderão ter preocupações exacerbadas, inseguranças aumentadas ou mesmo piora do sofrimento previamente existente e que isso é já uma realidade comprovada em tempos de COVID-19 (Zandifar e Badrfam, 2020; Wang et all, 2020). Sabemos ainda que o excesso de informações só piora essa situação. Diante disso, o acolhimento surge como um dos dispositivos que podem contribuir nesse momento.

Acolhimento

Tomamos por princípio a construção de uma ‘Universidade acolhedora, flexível, acessível, inclusiva e solidária’ (UFMG, 2017). Norteadas(os) por esse princípio, compreende-se que uma das estratégias para uma universidade acolhedora são as iniciativas múltiplas e diversas de acolhimento que já vem acontecendo na UFMG.

Segundo a OMS (2020a:p.02) “A percepção do risco entre as populações afetadas difere frequentemente da percepção dos especialistas e das autoridades”. Assim, é importante que estejamos certas de que pessoas diferentes, com histórias e percursos diferentes, percebem os riscos de forma diferente. Os dados epidemiológicos, especificamente, e o discurso científico, de modo geral, traduzem uma forma de saber, extremamente importante e válida nesse momento de crise. Entretanto, o acolhimento, momento no qual a escuta encontra lugar, deve considerar que os saberes são múltiplos e constituídos de múltiplas formas. Sabemos que nessa construção de saberes sobre o COVID-19, a percepção do risco é um elemento importante.

O acolhimento precisa se dar, considerando essa perspectiva da multiplicidade e diversidade de saberes. Seria interessante que o acolhimento valorizasse a perspectiva daquele que o demanda, valorizasse igualmente o discurso científico, mas não numa proposta de confrontação, ainda que o objetivo fosse de ‘conscientizar’ as pessoas da comunidade (se é que é possível conscientizar alguém de algo ou mesmo que o simples fato de estar consciente de algo, significaria ter saúde mental). Acolher não pressupõe concordar, discordar, confrontar ou recomendar um repertório de comportamentos tidos como mais adequados.

Sobre o acolhimento, mais uma questão: Ainda que, provavelmente, o projeto ou serviço de acolhimento das unidades não esteja funcionando e que as atividades didáticas presenciais estejam suspensas, não se pode desconsiderar que essas medidas, embora imperativas e necessárias, podem repercutir na saúde mental de nossa comunidade. Assim, não se deve esquecer que o acolhimento é um ato continuado, quando se pretende construir uma universidade acolhedora.

Não há dúvidas de que acolhimento se faz de forma presencial, face a face e em ambiente acolhedor. Entretanto, o momento nos pede exatamente que nos privemos dessa proximidade (distancia de pelo menos 1 metro entre as pessoas) sempre que possível. Assim, sendo, é importante criar ou fomentar estratégias que tenham efeito acolhedor, sem que impliquem, necessariamente, encontros presenciais. Estimular o uso de dispositivos de comunicação online, criar pequenos textos ou mensagens ou mesmo utilizar as redes sociais, podem ser estratégias interessantes e acolhedoras durante esse período em que os contatos presencias devem se resumir ao estritamente necessário. É importante lembrar à nossa comunidade que, a recomendação é de distanciamento preventivo e não de isolamento das pessoas, ou seja, essa medida de segurança não deve significar solidão. A ideia de que a solidão não contribui para a saúde mental das pessoas permanece. Na era digital, as opções e possibilidades são inúmeras, para que as pessoas ‘se encontrem’, se apoiem e continuem convivendo, pelos diversos canais que possibilitam os contatos de forma não presencial.

Saúde Mental e Direitos Humanos

Já se sabem algumas coisas sobre o Novo Coronavírus (COVID-19), a partir dos estudos da comunidade científica mundial. Muito ainda está por se saber. Mas sabemos onde a doença se manifestou, por meio de quem ela se propaga, temos algumas certezas sobre a forma de propagação e sabemos que é uma doença respiratória. No clima de preocupação e insegurança não é incomum que pessoas lancem mão de seus preconceitos, de atos discriminatórios ou de condutas nada éticas como forma de lidar com esse momento de incertezas e dificuldades. Como pessoas comprometidas com uma universidade inclusiva e solidária precisamos nos fazer atentas para essas situações em que os direitos humanos são violados, precisamos contribuir ao nosso redor para que falas e comportamentos preconceituosos não sejam naturalizados. O momento nos pede coragem, atenção, cuidado, acolhimento, tanto como responsabilidade individual como institucional.

Quer saber mais?

Organização Mundial de Saúde (OMS). Organização Panamericana de Saúde (OPAS).  Comunicação de risco e engajamento comunitário (CREC) Prontidão e resposta ao novo coronavírus de 2019 (2019-nCoV). 2020a.

Organização Mundial de Saúde (OMS). Mental Health Considerations during COVID-19 Outbreak. 2020b.

Rahim Badrfam e Atefeh Zandifar. Iranian mental health during the COVID-19 epidemic. Asian Journal of Psychiatry. 4(51); 2020.

Wang, C.; Pan, R.; Wan, X.; Tan, Y.; Xu, L.; Ho, C.S.; Ho, R.C. Immediate Psychological Responses and Associated Factors during the Initial Stage of the 2019 Coronavirus Disease (COVID-19) Epidemic among the General Population in China. International Journal of Environmental Research and Public Health 2020, 17, 1729.