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Revista da Universidade Federal de Minas Gerais
Ano 6, nº 12 - julho de 2007 - Edição do Vestibular

entrevista

“Estamos mais preocupados com o que nós ainda não sabemos”

Ricardo Bandeira

Em entrevista, o reitor Ronaldo Tadêu Pena afirma que a principal característica da UFMG, ao completar 80 anos, é a busca constante por conhecimento.

Quem ingressar na UFMG, em 2008, vai encontrar uma Universidade dinâmica, em constante mutação. É o que assegura o reitor Ronaldo Tadêu Pena. “O estudante vai encontrar uma Universidade em movimento, onde existe aquela insatisfação natural que impulsiona as pessoas para desvendar o desconhecido”, afirma. Na entrevista a seguir, Ronaldo Pena destaca as vantagens de se estudar numa instituição pública de ensino superior como a UFMG; fala da proposta de formação de profissionais-cidadãos e da articulação com os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio; e avalia, ainda, os caminhos para a inclusão social nas instituições públicas de ensino superior.

Reitor Ronaldo Tadêu Pena

Diversa - A UFMG propõe ao estudante uma formação ampliada, por meio da flexibilização do currículo e da multidisciplinaridade. O que se espera, no fim do curso, é formar um profissional-cidadão. Diante disto, podemos fazer uma articulação entre a orientação pedagógica da Universidade e as Metas ou Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, propostos pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 2000, como forma de garantir um melhor futuro à humanidade?

As Metas do Milênio obviamente são importantes e o trabalho de uma Universidade encampa tranqüilamente todas elas. Naturalmente, isto é feito, e até muito além. Ao trabalhar numa área da educação, nós estamos cuidando da questão da alfabetização. Ao trabalhar, como trabalhamos, com tremenda dedicação às áreas da saúde, nós estamos [atingindo as metas]. A questão do desenvolvimento econômico, por exemplo. Você melhora a condição de vida da população na medida em que o país tem desenvolvimento econômico. E esse desenvolvimento econômico se dá com base em conhecimento que seja inovador. Talvez as instituições mais importantes para o cumprimento dessas metas sejam as universidades. Mas, no caso do Brasil, não tenho dúvidas, esse é preferencialmente um papel das universidades públicas. A nossa [a UFMG], uma Universidade modelo, atinge seus 80 anos com um prestígio muito grande, nacional e internacional. A inserção que nós temos no estado de Minas Gerais, sobretudo nas regiões menos desenvolvidas, mostra uma Universidade que está muito preocupada com a relevância social. E essa relevância tem a ver com as Metas do Milênio.

Diversa - Por falar em universidades, existe diferença significativa em estudar em uma universidade e estudar em uma faculdade isolada?

Nas faculdades, normalmente, os estudantes estão restritos ao campo de conhecimento. Eles não têm o que temos aqui, que tem a ver com essa riqueza da vida acadêmica: a nossa Universidade não se destaca apenas pela qualidade dos cursos, que é o primeiro aspecto, mas também pelas oportunidades oferecidas a quem tem interesse e tempo para se dedicar, tanto no que se refere a recursos bibliográficos e computacionais, quanto no que se refere às oportunidades de iniciação científica e à convivência com outros jovens, com outros professores, com outras áreas [do conhecimento], com palestras, conferências, oportunidades na área cultural. Tudo isto está disponível a quem entra na UFMG. As faculdades isoladas não têm essa riqueza da vida acadêmica: 90 por cento dos nossos professores são contratados para mais do que ministrar aulas; são contratados para pesquisar, socializar os resultados das investigações e também interagir com a sociedade, pelas atividades de extensão. Então, tudo isto gera, fora da sala da aula, oportunidades muito qualificadas para os alunos, sobretudo os mais interessados. Inclusive, parte disto com bolsa. [Esse conjunto de oportunidades] pode existir em algumas outras universidades, mas não existe na maioria delas. Eu diria que no Brasil, em qualquer área, o jovem que se classificar no vestibular da Universidade Federal de Minas Gerais e, eventualmente, conquistar uma vaga em outra universidade - pode ser de fora de Belo Horizonte - deve considerar fortemente optar pela UFMG. É minha opinião, pela cidade, pelo espaço que se tem aqui e pela qualidade da vida acadêmica que a UFMG oferece. E, finalmente, as oportunidades da chamada mobilidade estudantil, que é a oportunidade que o jovem tem de passar um semestre, e até um ano, numa universidade do exterior. Nós temos convênios com inúmeras universidades de muitos países. Então, é comum o nosso aluno de graduação passar um semestre na Alemanha, na França, nos Estados Unidos, na Argentina ou na Itália. E a gente não cessa de expandir. Recentemente, eu tive um contato com uma província da China; nós devemos fazer um convênio com eles.

Reitoria da Universidade Federal de Minas Gerais

Diversa - A graduação é, sem dúvida, o que mais chama a atenção do candidato ao vestibular. Mas também é preciso levar em consideração as oportunidades de extensão e pesquisa que a instituição oferece. Que oportunidades são estas na UFMG?

O ensino de graduação é o fundamento. Agora, para fazer um ensino de graduação com qualidade, você tem de ter um ensino de pós-graduação, porque ele está diretamente vinculado à pesquisa, onde os conhecimentos são gerados. E, se você fizer um ensino de graduação sem pesquisa, significa que você está apenas reproduzindo, você não está agregando nada; então a idéia é você ter isto conjugado. Por outro lado, você tem a questão da inserção da universidade na sociedade, no meio externo, e do meio externo na universidade. E isto você consegue através desse relacionamento. Eu vejo as atividades de extensão como se fossem janelas. Você comunica direto com o ambiente, seja no caso das empresas, sejam órgãos de governo, sejam grupos organizados da sociedade. Essa possibilidade existe com muita clareza numa universidade como a UFMG, muito bem estruturada e muito bem organizada. E isto não acontece em todo lugar.

Diversa - Como o reitor define a UFMG, que completa agora 80 anos? Que Universidade é esta que o futuro estudante vai encontrar?

Reitor Ronaldo Tadêu Pena Alunos da UFMG

Ele vai encontrar uma Universidade avançada, em termos de um país como o Brasil. É importante dizer que ser uma universidade avançada não significa ser, simplesmente, uma universidade que tem um estado de desenvolvimento muito consolidado. Significa uma universidade que está andando sempre na direção de ter um projeto acadêmico de qualidade e de maior relevância. Isto é ser avançado. Ser avançado não é um estado estacionário, é um caminhar. E esta Universidade se encontra nesta condição. Você pode tomar qualquer área do conhecimento aqui, qualquer curso que nós temos e verá uma comprovação disto. Sempre, a cada ano, você tem um curso com novidades, eventualmente alguma alteração em alguma disciplina, eventualmente alguma abertura, eventualmente algum novo professor que chegou e que está dando uma visão um pouco diferente daquela área. Então, é uma coisa muito dinâmica. O jovem estudante que chegar aqui vai encontrar uma Universidade em movimento, uma Universidade onde existe aquela insatisfação natural dos que pensam que não devem ficar parados, aquela insatisfação que move as pessoas para a busca de mais conhecimento, para a busca do desconhecido. Estamos mais preocupados com o que nós ainda não sabemos do que com o que nós já sabemos. Despertar isto na juventude é parte da nossa missão, e parte importante da nossa missão porque esses jovens que vão entrar aqui, no ano que vem, daqui a 20 anos serão as lideranças do estado e do país.

Diversa - O senhor considera que as universidades públicas precisam adotar mecanismos de inclusão social mais eficazes? O que a UFMG faz nesse sentido?

A universidade pública brasileira é de todos. Então, sob a perspectiva do direito, que é de todos, todos devem ter oportunidades. É evidente que um país não se desenvolve só com as pessoas das classes mais abastadas. Se isto acontece, você aumenta o tamanho do abismo social. Então, o que você tem de fazer é, mas sem esquecer também aqueles que têm condições, buscar os outros, para reduzir o fosso social. Mas a universidade também deve ter compromisso com a qualidade; não podemos simplesmente colocar aqui as pessoas porque são pobres, nós temos de colocar as pessoas que têm condições de entrar. E temos de contribuir, inclusive com o próprio governo, no sentido de, cada vez mais, ajudar quem freqüenta as escolas públicas, de ensino fundamental e médio, a alcançar condições para entrar na universidade. Objetivamente, isto sempre se fez. A Universidade sempre teve vínculos com as secretarias de educação, com órgãos que cuidam da educação fundamental e média. Mas isto não é tudo. A gente não pode ficar esperando o ensino básico melhorar, para, então, as pessoas mais pobres terem oportunidades. A gente tem que adotar alguma estratégia, que ainda não adotamos, mas que queremos adotar, para aumentar a representação das pessoas mais pobres no conjunto dos estudantes.

Diversa - Na UFMG, o número de estudantes aprovados no vestibular oriundos de escolas particulares é superior ao de oriundos da escola pública. Quando se olha os dados relativos às inscrições, 60% dos inscritos estudaram na rede pública e 40%, na particular. Entre os aprovados no vestibular, no entanto, os números se invertem: 60% são de escolas privadas e 40%, das públicas. A adoção de mecanismos de inclusão pode reverter esse quadro?

O que acontece é o seguinte: se o índice fosse de 40% em todos os cursos, já estava bom. O problema é que tem curso em que é 10% e tem curso em que é 60%, 70%. Depende do perfil do curso, da atratividade do curso no imaginário dos jovens. Por isso é que as cotas não têm sentido, na minha opinião. Esta não é a opinião da Universidade, a Universidade ainda não discutiu ao ponto de ter uma posição. Sou eu que estou dando a minha posição pessoal. Eu acho que a solução cota é uma solução simplista, pois adotar cota em determinados cursos, nós já ultrapassamos muito o patamar que se estabeleceria.

Diversa - Seja racial, seja social...

Para mim, a solução da cota continua simplista. Eu entendo o seguinte: existem pobres, e o que a gente precisa é de estratégias que favoreçam pessoas que chegam perto de entrar [para a Universidade] e não entram, sobretudo nos cursos mais concorridos. Por exemplo, eu gosto de citar sempre o que é emblemático, que é Medicina: os candidatos ficam muito embolados na faixa dos 70 a 75 por cento [dos pontos]. Então, esta é a minha opinião, não é justo você falar assim: este tirou 73,415 e este, 73,412, então um passa no vestibular e o outro não. Então, eu entendo que a gente tem de pensar, discutir, raciocinar, conversar, sobre este tema. Uma solução interessante, que nós não vamos adotar este ano e nem sabemos se a Universidade vai adotar algum dia, é a solução da Unicamp [Universidade de Campinas]. Ela dá pontos a mais para quem é oriundo de escola pública. Eu quero propor isto para a Universidade, mas não para este ano. Seria uma proposta para o ano que vem.

Diversa - E os cursos noturnos? Eles são uma forma de inclusão?

Criar novos cursos, sobretudo noturnos, é uma coisa positiva, mas são necessários recursos. Há uma proposta de expansão do ensino superior, o Plano de Desenvolvimento da Educação, e o governo [federal] acena com recursos para as universidades que aderirem. Mas, para aquilo que eu disse – a mudança no mecanismo de avaliar no vestibular - não são necessários recursos, pois são as mesmas vagas.

Diversa - Qual a opinião do senhor sobre o processo do vestibular? Ele é, realmente, o mecanismo mais adequado de acesso ao ensino superior?

No momento, acredito que é a única forma, mas o vestibular deve agregar algumas preocupações no sentido de evitar qualquer tipo de prova, de questão ou de programa que leve à exclusão social. Vou dar um exemplo: um programa de vestibular muito extenso causa exclusão, porque quanto mais extenso é o programa, mais o candidato tem que ter meios [disponibilidade de tempo e recursos materiais] de acompanhar tudo. Na escola pública, muitas vezes o estudante não tem condição de completar todo o programa. Então, se os programas são menores, mas cobrindo os aspectos principais do conhecimento, há mais chance para aquele que tem menos tempo e condições para se dedicar. Uma outra coisa que se faz é um levantamento que avalia o índice de acerto de uma questão versus a condição socioeconômica dos candidatos. Se for encontrada uma questão em que o índice de acerto entre as pessoas com maior poder aquisitivo foi muito alto e, ao mesmo tempo, o índice de erro entre os candidatos com baixo poder aquisitivo foi elevado, então, tentamos avaliar o que causou a segregação social na resposta, passando a evitar esse tipo de questão. Além disso, anunciamos, com três anos de antecedência, os livros da prova de Literatura. Qual a vantagem? Há o candidato que a família entra em uma livraria, compra os livros e os leva para casa. E quem não pode? Com três anos de antecedência, a escola pública ou até mesmo o candidato pode se programar. Então, esta também é uma medida inclusiva, ainda que pequena.

Reitor Ronaldo Tadêu Pena

perfil

O REITOR
Ronaldo Tadêu Pena foi escolhido pela comunidade acadêmica em 2006, para um mandato de quatro anos. Ele começou a dar aulas na UFMG em janeiro de 1974 e é professor titular do Departamento de Engenharia Eletrônica. Tem o título de PhD em Engenharia Elétrica pela Universidade do Texas (EUA). Foi diretor da Escola de Engenharia da UFMG (1990-1994) e presidente da Sociedade Brasileira de Automática (1989-1991). Entre 2002 e 2006, foi pró-reitor de Planejamento. Nesse período, trabalhou na concepção do Parque Tecnológico de Belo Horizonte e na condução do projeto Campus 2000, que traz para o Campus Pampulha diversas unidades que estavam espalhadas pela capital mineira.

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