Revista da Universidade
Federal de Minas Gerais
Ano 1 - nº. 3 - Agosto de 2003 - Edição Vestibular
Uma ponte entre a escola e a cidadania
Eber Faioli |
Experiência de Dulce revelou que comunidade quer discutir cidadania |
Construir novas práticas educativas. Esse foi o desafio enfrentado pela professora Dulce de Souza Santos, desde que começou a trabalhar no programa Escola Plural, da rede municipal de ensino de Belo Horizonte. Professora numa escola recém-inaugurada na região do Barreiro, Dulce participou da discussão com a comunidade local sobre a prática educativa que seria adotada ali, o que exigiu uma relação completamente inovadora entre pais, alunos e professores.
A proposta pedagógica, conta Dulce, ainda causa muito estranhamento entre os pais, embora tenha mobilizado a comunidade, a ponto de envolvê-la no projeto de criação de um Centro Cultural. “A escola será uma parceira do Centro. No início, achávamos que a comunidade queria só atividades de arte e cultura, mas não. Eles querem, também, discutir lazer, política, habitação. Querem trazer para dentro da escola questões de cidadania”, destaca a Professora, que carrega em seu currículo experiências de educação de jovens e adultos e também com crianças e adolescentes em conflito com a lei. “É um campo muito aberto e que possibilita maneiras de trabalho muito diferentes e um aprendizado constante”, frisa.
Estar aberto a novas práticas educativas, ter sensibilidade para o processo de formação humana e sempre estar disposto a repensar posturas é básico para quem escolher o curso de Pedagogia. O profissional dessa área vai freqüentemente se deparar com diversos modos de educar, pois a relação entre educador e educando é um processo dos mais dinâmicos. “As práticas têm que ser revistas a todo momento”, afirma o professor Juarez Dayrell, da UFMG. Defensor de um processo educacional que alia educação e cultura, ele diz que as diferentes possibilidades de atuação do pedagogo estimulam um debate constante nessa área.
“Temos que ‘ganhar’ os alunos e levar em conta a realidade deles, o que significa prestar atenção às diferentes formas pelas quais eles expressam sua cultura. As pesquisas mostram que os jovens se aglutinam em torno dos grupos culturais”, afirma Dayrell. O Professor observa que as organizações não-governamentais já perceberam isso há tempos e, freqüentemente, incorporam ações de cultura nos seus programas. Educação e cultura não constituem uma linha hegemônica na educação brasileira nem mesmo na Universidade, admite Dayrell, para quem a visão “conteudista” é, em parte, responsável pela falência da educação no País.
Verônica Mendes |
Projeto combate o analfabetismo entre as crianças indígenas |
A formação de professores indígenas, um projeto adotado na UFMG, em convênio com a Secretaria de Estado da Educação e outros órgãos governamentais, atendendo a uma exigência constitucional, é, também, uma outra perspectiva que, aos poucos, vem sendo implementada pela Pedagogia. Na opinião da professora Verônica Mendes, trata-se de uma experiência completamente diferente. Há seis anos, ela faz parte da equipe que construiu o projeto das escolas indígenas em Minas Gerais, o que significou formar professores índios para que eles próprios assumissem a educação nas tribos. São escolas que trabalham com grande participação das comunidades. Os índios definem e privilegiam conteúdos que se transformam em ponte entre a escola e a história do aluno, ressaltando a cultura deles. “Acho que assim serão as futuras escolas brasileiras”, diz Verônica.
A primeira turma formou 60 professores, que trabalham em escolas montadas em aldeias das tribos xacriabá, krenak, pataxó e maxacali. “Hoje em dia, praticamente não existe analfabetismo entre as crianças. Quando começamos o projeto, existiam crianças de 14 anos que nunca tinham ido à escola”, lembra Verônica. Atualmente, o projeto estendeu-se a outras três tribos e uma segunda turma de professores está fazendo o curso.
O aluno de Pedagogia, ao ingressar na Faculdade de Educação, tem a oportunidade de participar de várias atividades em diferentes grupos de pesquisas e extensão.O curso passou por mudanças curriculares há pouco tempo, adaptando-se à Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 1996, que, entre outras exigências, determina a formação universitária de professores do Ensino Fundamental. Mas a principal modificação curricular está na estrutura da formação do profissional, a começar pelas habilitações. O currículo não trabalha mais com as habilitações Supervisão, Orientação e Administração Escolar. A atual formação do pedagogo incorpora um grande elenco de disciplinas comuns a todos os alunos, privilegiando, a partir do sexto período, áreas de aprofundamento de estudo e atuação, como Alfabetização, Leitura e Escrita; Educação de Jovens e Adultos; Educação Infantil e Formação Pedagógica, além da Licenciatura dos anos iniciais do Ensino Fundamental. O profissional está apto a disputar diferentes colocações do pedagogo no mercado de trabalho.
A professora Ana Maria Gomes ressalta que o currículo não é mais uma “mala pronta”. “Ele é desenhado pelo próprio aluno e isso provoca uma grande mudança no perfil do profissional”, diz ela, argumentando que o pedagogo, hoje, está diante de diferentes possibilidades de atuação. Ela enfatiza que o pedagogo é, também, requisitado para atuar em áreas como Educação Especial, Educação Social e outras áreas emergentes. “Existem demandas nessas áreas e o novo currículo possibilita maior abertura para formações distintas”, acrescenta.
Eber Faioli |
Dayrell defende união de educação e cultura |
A professora Nilma Gomes destaca que o “curso de Pedagogia, ao lado da construção de metodologias e técnicas de ensino, busca, também, compreender os sujeitos da educação – crianças, adolescentes, jovens e adultos – e as diferentes maneiras por meio das quais eles se educam e expressam sua cultura”. Sendo assim, além de se privilegiar uma competente formação do professor dos anos iniciais do Ensino Fundamental, é também importante que o profissional compreenda como a educação da infância e da juventude tem sido construída ao longo da história. É fundamental, também, que o educador compreenda como a educação se dá no contexto das mudanças sociais e políticas, da diversidade étnico-cultural, das relações de gênero e das desigualdades sociais.