Revista da Universidade
Federal de Minas Gerais
Ano 1 - nº. 3 - Agosto de 2003 - Edição Vestibular
De olho na alma
Eber Faioli |
Há três anos, a motorista Andréia Jacqueline Pacheco, de 35 anos, sofreu o pior baque de sua vida: seu filho de 8 anos morreu atropelado por um caminhão. Emocionalmente destruída, Andréia entregou-se ao desespero durante todo o primeiro ano da ausência de Tiago e não encontrava razões para sobreviver nem mesmo com a presença de seus dois outros filhos, hoje com 8 e 13 anos. “Entrei em depressão profunda, sofria tanto que não admitia falar no assunto. Até que, um dia, eu percebi que ou me tratava ou morria”, conta.
Sem ainda ter-se refeito inteiramente, Andréia lembra que seu drama só foi amenizado depois que ela encontrou “socorro” psicológico no Núcleo de Humanização do Trânsito, uma entidade que presta assistência aos que sofreram perdas em acidentes. “Se não fosse o tratamento, não sei o que teria sido de mim. Tenho ainda depressão e angústia, mas a psicóloga é quem me ajuda muito”, afirma.
Ao lidar com a diversidade dos sentimentos, dos relacionamentos e do comportamento humano, o psicólogo depara-se com situações muito dolorosas como a de Andréia, mas não somente isso. A Psicologia faz-se presente em uma variedade enorme de áreas e, daí, o campo de trabalho é bastante eclético. Para a professora Anna Cláudia Eutrópia Batista, a condição básica para se escolher essa profissão é ser apaixonada pela área. “Pelo menos comigo é assim. Acho que tudo tem dado muito certo porque, realmente, adoro o que faço”, sentencia. “Quando eu estava na quinta série, já falava que seria psicóloga”, lembra, identificando, na sua escolha, a influência de um tio psicanalista.
Porém, aos 16 anos, Anna Cláudia ficou em dúvida entre a Psicologia e a Pedagogia. Para se decidir, foi trabalhar numa escola infantil. A experiência lhe mostrou que o caminho era mesmo o de antes, mas que havia possibilidades muito concretas de aliar as duas especialidades. Hoje, seu projeto de Mestrado faz esse elo e, como professora substituta no curso da UFMG, ela se dedica a disciplinas com enfoque em Psicologia Escolar. “Cada ano, tenho mais certeza de que fiz a escolha certa e de que a área é muito atraente para quem quer estar sempre estudando. Além disso, tem um campo de trabalho que está crescendo”, avalia.
“Agora, é muito comum psicólogos não se limitarem aos consultórios. Nós pertencemos a organizações não-governamentais (ONGs), trabalhamos junto a comunidades na mediação de conflitos ou junto a grupos específicos que enfrentam problemas psicossociais, como o de hipertensos, o de diabéticos, etc.”, destaca Anna Cláudia, para quem o curso possibilita muitas opções na hora de enfrentar o mercado de trabalho. A Psicologia na UFMG, defende ela, é bem dosada e dá ao profissional uma carga teórica e prática excelente. “Mas tudo depende de muito estudo”, avisa ela, lembrando aos candidatos a uma vaga nesse curso que não precisam estranhar o acúmulo de disciplinas, que, no início, parecem não fazer sentido.
“Nós temos aulas de Anatomia, de Neuroanatomia, de Fisiologia, de Estatística, de Filosofia e você só compreende melhor a necessidade dessas matérias mais tarde”, explica. É essa batalha que o aluno Carlos Eduardo de Andrade, de 24 anos, começa a enfrentar. Formado em Comércio Exterior, ele não se conformou com a Graduação que completou no ano passado. “Durante muito tempo, eu detestava o curso que fazia, mas, quando percebi, estava adiantado e não dava para abandonar. Preferi terminar e tentar Psicologia depois”, recorda.
Eber Faioli |
Neuropsicologia: tratamento para problemas causados por disfunções cerebrais |
Carlos Eduardo cogitou fazer diretamente as provas do Mestrado de Psicologia, mas, depois, se convenceu de que seria difícil para quem nunca teve uma base na área. “Deu para eliminar algumas matérias por causa do outro curso e, assim que terminar a Graduação, vou direto para o Mestrado”, planeja, destacando que o curso lhe permite adiantar disciplinas também da Pós-Graduação.
O curso de Psicologia possui uma especificidade. Ele não forma apenas psicólogos, que precisam, no mínimo, de nove semestres – o tempo padrão é de dez semestres – para concluírem a habilitação. É no quinto período do curso que os alunos optam pela Formação de Psicólogo, pela Licenciatura ou pelo Bacharelado – os dois últimos com tempo mínimo de integralização de oito semestres.
A diferença provém das atribuições legais. A Licenciatura prepara os profissionais para atuar como professores no Ensino Médio e Técnico, e o Bacharelado, para se envolver com pesquisas e com o Ensino Superior. Porém a escolha pode ser dupla, ou seja, o aluno poderá fazer duas habilitações e, posteriormente, pedir continuidade de estudos para a terceira habilitação. Segundo a ex-Coordenadora do Colegiado de Graduação, Maria Cristina Fellet, o mais comum, por oferecer mais chances no mercado de trabalho, é o aluno entrar decidido pela Formação de Psicólogo e de Bacharel simultaneamente.
O curso de Psicologia da UFMG prepara o profissional para trabalhar em cinco grandes áreas. Na Clínica e Saúde, ele lida principalmente com o tratamento e a prevenção de problemas psicológicos e psicossomáticos, avaliando habilidades cognitivas, psicomotoras e intelectuais. Na Neuropsicologia, ele se volta especialmente para o diagnóstico e reabilitação de pessoas com problemas comportamentais e cognitivos causados por disfunções cerebrais. No âmbito da Educação, o psicólogo exerce papel especial, em parceria com o pedagogo, no planejamento, condução e execução de projetos educacionais e na orientação de pais e alunos. É cada vez mais comum os colégios admitirem e ampliarem a participação de psicólogos nas políticas internas de apoio aos estudantes. Na área do Trabalho, houve grande renovação em relação à atuação do psicólogo, que está longe de se restringir à seleção e à política de pessoal, como antes. O profissional conquistou papel bem mais ativo, interferindo em processos de qualidade de vida e relacionamento no ambiente do trabalho. No Campo Social, as fronteiras estão definitivamente quebradas e o psicólogo trabalha no planejamento de políticas públicas, atentando para as transformações e os conflitos psicossociais e as condições de interação de grupos.
Foca Lisboa |
Cristina Fellet: curso mescla conteúdos teórico e prático para a boa formação do psicólogo |
O curso de Psicologia é plural e generalista, porém os alunos direcionam o currículo, por intermédio das disciplinas optativas, para a principal área de interesse. A Psicologia, diz Cristina Fellet, é um curso que mescla os conteúdos teórico e prático, principalmente durante a Formação de Psicólogo. Desde o sétimo período, os alunos cumprem estágios curriculares, cinco deles obrigatoriamente realizados nos serviços de atendimento à comunidade do próprio curso, sob orientação dos professores. Outros três estágios devem ser feitos fora do âmbito da escola, em instituições conveniadas ou credenciadas. Após a Graduação, o curso oferece especialização em Teoria Psicanalítica e Mestrado.