Revista da Universidade
Federal de Minas Gerais
Ano 2 - nº. 5 - Junho de 2004 - Edição Vestibular
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A reforma universitária ocupa, como nunca, o cenário composto pela comunidade nas instituições de ensino superior, governo, poder legislativo e sociedade civil. Dois Projetos de Lei, produzidos pelo Executivo Federal, estimulam a discussão que ainda está longe de um consenso: o programa Universidade para Todos, explicitado nos Projetos de Lei no 3.582/04 e no 3.627/04, que estabelecem a reserva de vagas nas universidades federais para estudantes vindos da rede pública de ensino. Ambos encontram aliados e opositores que discordam, na íntegra ou parcialmente, da proposta.
O Universidade para Todos propõe, em troca de isenção fiscal, a utilização das vagas ociosas em instituições privadas como forma de diminuir o déficit nas universidades públicas. O Ministério da Educação acredita que esse é um mecanismo que vai resolver circunstancialmente o problema, de maneira mais rápida. Os beneficiados pelas “bolsas” seriam alunos com renda familiar de, no máximo, um salário mínimo. Encaminhado ao Congresso em regime de urgência, o Projeto de Lei no 3.582/04 enfrenta inúmeras dificuldades – entre elas, o fato de não expor exatamente como seria estabelecida a isenção fiscal e, principalmente, a circunstância de representantes de dirigentes, professores e alunos das universidades públicas defenderem a expansão das vagas nas próprias instituições públicas e, também, de investimentos que garantam a assistência aos alunos carentes, como política necessária ao controle da evasão estudantil.
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O Projeto de Lei no 3.627/04 levanta a polêmica discussão da democratização do acesso ao Ensino Superior, lastreado pela dívida social do país e, conseqüentemente, das universidades públicas com estudantes de classes sociais mais baixas. A solução apresentada, agora, formalmente, pelo governo, mas já amplamente debatida nos últimos anos, é o estabelecimento do destino de 50% das vagas nas instituições federais para os estudantes que cursaram os três anos do Ensino Médio em escolas públicas. As chamadas cotas sociais, atreladas ao debate das cotas raciais – que determinariam porcentagem de vagas para estudantes negros – são uma antiga reivindicação de movimentos populares, cuja tônica é a inclusão social.
O princípio da inclusão é defendido escancaradamente pelos representantes de professores e alunos nas universidades, mas não existem, de maneira alguma, posições consensuais com relação à forma de se promover essa inclusão. Nem mesmo na UFMG, onde o Conselho Universitário e o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão já adotaram a proposta de ampliação dos cursos noturnos como mecanismo privilegiado da inclusão, o assunto alcançou a aprovação unânime e, por tudo isso, continua em pauta e foi ampliado pelos referidos Projetos de Lei, que tratam da questão.
A UFMG, ao adotar a política de ampliação dos cursos noturnos como reflexo da preocupação da inclusão social, amparou-se em dados levantados no Vestibular de 2003 e analisados por uma comissão de professores instituída pela Reitoria. “Temos com este estudo estimulado a discussão do tema nas diferentes Unidades da UFMG”, diz o professor Antônio Emílio Araújo, coordenador da Comissão Permanente do Vestibular (Copeve) e um dos autores do estudo que orientou a decisão dos Conselhos Universitário e de Ensino, Pesquisa e Extensão. Ele diz que as cotas, tanto sociais quanto raciais, têm sido discutidas também do ponto de vista ideológico e aí, ressalta, “as diferenças não serão nunca sanadas”.
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ANTÔNIO EMÍLIO informa que, em 2004, cresceu o número de aprovados provenientes da escola pública |
Segundo Antônio Emílio, o estudo demonstrou que, ao contrário de uma dedução mais apressada, as cotas raciais, se adotadas pela Instituição, provocariam “uma inclusão ao contrário”, ou seja, em alguns cursos, a presença de estudantes negros e vindos das escolas públicas seria menor do que o atual. “As cotas não atingiriam a mesma eficiência da inclusão como a alcançada com a implantação dos cursos noturnos”, ressalta. No Vestibular de 2004, 41% dos aprovados, no total dos cursos, são provenientes das escolas públicas e, 29%, se declaram negros. Em 2003, nos cursos diurnos, 33% dos aprovados são da rede pública e 22% se declararam negros. Já nos cursos noturnos, os alunos de escola pública atingem mais da metade das vagas – 63% delas – e o índice de negros é de 23%. De acordo com o coordenador da Copeve, os aprovados no Vestibular de 2004 formam grupos que reproduzem, em relação à raça, aproximadamente, aos índices apurados pelo Instituto Brasileiro de Geoestatística (IBGE), mas, quando se trata do acesso analisado do ponto de vista da rede de ensino, pública ou privada, a disparidade é muito grande.
Entretanto, destaca o professor, o Vestibular 2004 mostrou um aumento de aprovados de candidatos de escolas públicas e de negros, em comparação com os números de 2003. Em relação à raça, diz Antônio Emílio, é natural que tenha havido um acréscimo no número de candidatos que se dizem negros, pois o debate das cotas raciais incentiva tal declaração. Os negros e egressos de escola pública – com um aumento de 26% – conquistaram um número maior de vagas neste último Vestibular na disputa dos cursos noturnos, ressalta Antônio Emílio, e é isso que confirma a eficiência da expansão dos cursos noturnos como medida de inclusão. “Como o problema é complexo, não se pode pensar que existe uma única solução para ele. Existem outras possibilidades interessantes para a inclusão, mas os cursos noturnos mostram que essa é uma opção viável”, analisa.
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A avaliação de eficiência de expansão dos cursos noturnos reflete-se nos resultados do Vestibular para o curso de Direito, ressalta Antônio Emílio. Pela primeira vez, a Faculdade de Direito estipulou, formalmente, as vagas que seriam destinadas ao curso noturno – há anos, os dois turnos funcionam, mas o Vestibular sempre foi feito considerando-se apenas o turno diurno. Os resultados foram os seguintes: em 2003, a aprovação de alunos da rede pública não passou de 20%; em 2004, a média dos aprovados de escola pública no turno da manhã continua semelhante (15%), porém os aprovados para o curso da noite somam 41%.
A maioria das restrições apontadas à expansão dos cursos noturnos como medida de inclusão social dizem respeito ao status dos cursos, pois a aprovação maior dos alunos advindos da rede de ensino pública se dá em cursos que carregam a pecha de menor prestígio social. Contra esse argumento, o estudo da UFMG aponta evidências favoráveis aos alunos de escolas públicas quando a Universidade oferece cursos no período da noite. É o caso do curso de Engenharia Mecânica, em que 64% dos aprovados, em 2004, no curso noturno são de escolas públicas. Esse índice cai para 20% quando se trata do curso diurno. O professor Antônio Emílio ressalta, ainda, que o estudo indica que o rendimento acadêmico médio dos alunos dos cursos noturnos não é diferente da média alcançada pelos alunos que estudam no período da manhã. No Provão, de um modo geral, os alunos mantiveram o mesmo conceito, independentemente do turno em que estudam.