Revista da Universidade Federal de Minas Gerais
Ano 3 - nº. 7 - Julho de 2005 - Edição Vestibular
Sensibilidade social
A complexidade atual do mundo, acirrada pelo processo de globalização e estampada na enorme diversidade econômica, sociocultural e política dos povos, acabou por expandir a atuação do cientista social, experiência que Vânia Diniz, 56 anos, viveu bem de perto ao longo das duas últimas décadas. "Quando me formei, eu e meus colegas praticamente só tínhamos espaço de trabalho no Estado. Hoje, o profissional é chamado para atuar também em empresas, em entidades e organizações mais diversas", afirma. Não fugindo à regra da época, no início dos anos 80, Vânia tornou-se funcionária da Secretaria de Estado de Trabalho e Ação Social, logo depois de concluir o curso na UFMG. Mudou-se para Januária, norte do estado, e iniciou ações de organização de comunidades rurais. Ainda sob os ares da ditadura militar, ela enfrentou as dificuldades de uma região onde as relações de "coronelismo" mantinham-se quase intactas. "Questões que hoje estão na mídia, como a grilagem de terra e o trabalho escravo e infantil, faziam parte da nossa realidade", atesta, lembrando que não escapou das pressões políticas e nem mesmo de ameaças de morte.
Arquivos/AIC 2005 ![]() A Rede Jovem de Cidadania, projeto desenvolvido pela Associação Imagem Comunitária em parceira com o Centro Cultural UFMG, propõe uma dinâmica mais democrática para a comunicação |
Ainda na década de 1980, quando o meio ambiente não recebia nem de longe a atenção de hoje, Vânia iniciou, na histórica São João del Rei, o processo de organização de catadores de lixo, trabalhadores que enfrentavam péssimas condições de trabalho e de sobrevivência. Foi nessa ocasião que ela teve o primeiro contato com uma área que iria marcar profundamente sua trajetória: a ação junto aos menores, especialmente meninos de rua.
Ao voltar para Belo Horizonte, Vânia coordenou, na Prefeitura, projetos que tinham as crianças em risco social e pessoal como alvo e participou ativamente da implementação do Estatuto do Menor e do Adolescente (ECA) nas ações do governo municipal. A atuação de Vânia foi estendendo-se a diferentes movimentos da sociedade, como o dos negros e contra a violência. Atualmente, ela coordena a implantação do projeto "Fica Vivo"* na região do Palmital, Santa Luzia, local onde se registrou, segundo pesquisa do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp), da UFMG, o maior índice de homicídios na região metropolitana, entre 1999 e 2003.
A cientista política destaca que ainda existem muitas dificuldades, que giram em torno não apenas das chances de trabalho e das questões salariais, mas também de organização dos profissionais. Ela, inclusive, já presenciou sutis movimentos em órgãos públicos que tentavam barrar a entrada de cientistas sociais em função de outras profissões.
Oportunidades A intensificação do mercado de trabalho é também ressaltada pelo Coordenador do Colegiado de Curso, professor Bruno Wanderley: "A melhoria da capacidade de absorção dos profissionais é visível à medida em que a própria economia fica mais diversificada, mais complexa", afirma. Ele cita o terceiro setor como parte dessa abertura.
Segundo o coordenador, nas Ciências Sociais é visível a interdisciplinaridade, que revela-se nas opções de ênfases existentes: Sociologia, Ciência Política e Antropologia. O professor destaca que as ênfases não são uma característica do curso que limita o profissional. "É comum, por afinidades, que o aluno concentre-se em uma das áreas, mas o curso não induz mais essa escolha. Formalmente, existem as três ênfases, porém os alunos acabam pipocando entre uma área e outra na escolha das optativas. Mas o graduado será sempre um cientista social", assinala Bruno.
Belotur/Divulgação![]() A compreensão da diversidade sócio-política, econômica e cultural e as influências do processo de globalização são um estímulo para o cientista social |
A flexibilização curricular nas Ciências Sociais, diz Bruno, existe desde 2001, quando o número de disciplinas obrigatórias foi drasticamente reduzido, alcançando hoje, na opção do Bacharelado, em torno de 50% do curso. Na Licenciatura, que forma professores para o ensino médio, existe uma pequena diferença, em função das disciplinas que são cursadas na Faculdade de Educação (FaE). A flexibilização, ressalta o professor, significa que o aluno terá um domínio muito maior sobre sua trajetória, a partir da escolha das disciplinas optativas.
Além disso, as possibilidades de formação complementar aberta (o aluno sugere um conteúdo para o próprio currículo aproveitando disciplinas de outros cursos) também já é uma realidade nas Ciências Sociais, muito mais do que a formação complementar fechada, quando o curso formaliza as trajetórias.
Um toque de clássicos Interessada na área de Ciência Política, a aluna do 5o período Natália Salgado Bueno, 20 anos, optou pelo curso de História para fazer a formação complementar e cursa também disciplinas na Filosofia. O interesse pelas Ciências Sociais surgiu quando Natália participou de um congresso da Associação Nacional de Pesquisa Histórica Latino-America e Caribe, realizado na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, (Fafich). "Gostei demais e pensei em fazer História", lembra. Passou a pesquisar melhor sobre outros cursos da área e deparou-se com o livro de autoria da professora Tânia Quintaneiro, Um Toque de Clássicos — um estudo introdutório sobre Marx, Weber e Durkheim, pensadores muito estudados nas Ciências Sociais. Um empurrãozinho de um tio sociólogo e Natália escolheu o curso.
Natália tem aproveitado para aprofundar-se nas teorias estudadas e decidiu pela participação em pesquisas e grupos de estudo. No 2o período, integrou um grupo de discussão sobre Política Internacional Comparada e esteve, pela primeira vez, no mais importante encontro das Ciências Sociais em Caxambu, sul de Minas Gerais. No período seguinte, tornou-se bolsista do Programa Especial de Treinamento (PET). Atualmente, dedica-se à construção das bases de uma pesquisa empírica que pretende fazer sobre o movimento "Diretas Já!", que levou à eleição indireta de Tancredo Neves, em 1984. Ela pretende estudar a influência que lideranças políticas e partidárias tiveram na mobilização popular e parte de um dado bastante instigante: em 1983, uma pesquisa de opinião demostrou que 83% da população não queriam votar para presidente. No ano seguinte, esse número se modificou inteiramente, com as "Diretas Já!" ganhando as ruas.
O "Fica Vivo", um projeto que envolve entidades civis e o poder público, está amparado em ações de combate à criminalidade com iniciativas de cunho social, promovendo a inserção de grupos através de iniciativas de geração de renda e de atendimento à saúde, à educação e ao lazer. |